4.12.08

Governo mente descaradamente

Por Alfredo Barroso
A PROPAGANDA GOVERNAMENTAL insiste em que Portugal, comparado com os outros países, não está assim tão mal, porque os outros estão pior. Convém explicar que tal argumento, para além de revelar enorme cinismo e hipocrisia, não corresponde à verdade.
Se tomarmos como termo de comparação a taxa de desemprego, constataremos que os números não confirmam – pelo contrário, desmentem – a propaganda governamental. É certo que Portugal não é o pior entre os piores, mas é igualmente certo que a maior parte dos países da União Europeia e da OCDE está bem melhor do que o nosso país.
Entre Dezembro de 2007 e Outubro de 2008, a taxa de desemprego em Portugal subiu apenas (?) 0,1, passando de 7,7 para 7,8. Mas, tomando como referência aquele período, verdadeiramente pior só estão: a Espanha, onde a taxa de desemprego pulou de 8,7 para 12,8 (mais 4,1); a França, onde subiu de 7,7 para 8,2 (mais 0,5); e a Hungria, onde subiu de 8,0 para 8,1 (mais 0,1). Três taxas de desemprego mais altas do que a nossa.
Todavia, são vários os países em que, apesar do aumento do desemprego durante aquele período, a respectiva taxa continua a ser inferior à nossa. Casos da Irlanda, onde subiu de 4,7 para 7,1 (mais 2,4); da Suécia, onde subiu de 5,9 para 6,6 (mais 0,7); do Reino Unido, onde subiu de 5,1 para 5,8 (mais 0,7); da Itália, onde subiu de 6,3 para 6,8 (mais 0,5); do Luxemburgo, onde subiu de 4,0 para 4,2 (mais 0,2); e da Noruega, onde subiu de 1,6 para 1,8 (mais 0,2). Melhor do que estes é que não estamos certamente.
E bem melhor do que Portugal estão outros países onde a taxa de desemprego, em vez de aumentar, diminuiu durante o mesmo período. A saber: na Finlândia, baixou de 6,5 para 6,4 (menos 0,1); na Dinamarca, baixou de 3,4 para 3,2 (menos 0,2); na Suíça, baixou de 2,8 para 2,5 (menos 0,3); na Republica Checa, baixou de 4,7 para 4,4 (menos 0,3); na Holanda, baixou de 2,9 para 2,5 (menos 0,4); na Bélgica, baixou de 7,0 para 6,6 (menos 0,4); na Alemanha, baixou de 7,7 para 7,1 (menos 0,6); na Grécia, baixou de 8,0 para 7,2 (menos 0,8), na Áustria, baixou de 4,0 para 3,0 (menos 1,0); na Polónia, baixou de 8,3 para 6,4 (menos 1,9). E até na Eslováquia, onde o nível de desemprego é muito elevado, a respectiva taxa baixou de 10,4, para 10,0 (menos 0,4).
Já agora, convirá referir o que se passou, em matéria de desemprego, durante o mesmo período, em outros países não europeus membros da OCDE: nos Estados Unidos, a taxa de desemprego subiu de 5,0 para 6,5 (mais 1,5); na Nova Zelândia, subiu de 2,8 para 4,2 (mais 1,4); no Canadá, subiu de 6,0 para 6,2 (mais 0,2); na Austrália, subiu de 4,2 para 4,3 (mais 0,1). Já na Coreia do Sul, não subiu nem desceu, mantendo-se a taxa de desemprego nos 3,1; e no Japão desceu de 3,8 para 3,7 (menos 0,1).
Perante este quadro geral de taxas de desemprego da OCDE, percebemos que a propaganda do Governo é uma aldrabice. Tira partido da compreensível ignorância dos cidadãos em relação às estatísticas, para manipulá-las. De facto, se compararmos o nosso mal com o mal dos outros, estamos pior – e não melhor. O Governo mente descaradamente.
NOTA: Esta e outras crónicas do autor estão também no seu blogue Traço Grosso.

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6 Comments:

Blogger Goretti said...

Pois de facto essa será sempre uma frase-chave: "Portugal, comparado com os outros países, não está assim tão mal".
Juntar-lhe-ia mais duas:
"Não te queixes que, comparado com outros que ganham o ordenado mínimo, estás bem." e "Ganhas ordenado mínimo? Não te queixes, que há quem esteja desempregado".
Nisto tudo, os governos sucessivos mantêm a fasquia do ordenado minimo num limiar inaceitável, conseguindo assim criar divisionismos entre as pessoas. Pessoas essas que nunca mais entendem que entram no jogo político do "com o mal dos outros posso eu bem".

4 de dezembro de 2008 às 18:46  
Blogger Bmonteiro said...

Vamos admitir que estaremos melhor do que outros. Marrocos e Angola por exemplo.
Mais a sério:
No tempo do governo Guterres, a reduzida taxa de desemprego era propagandeada como um dos sinais do bom desempenho/sucesso governamental.
Eu olhava ali para o lado, Espanha, e desconfiava. Olhando mesmo mais longe, França ou Alemanha, idem aspas.
Pretendemos pelos vistos atingir os níveis de desenvolvimento dos mais avançados, ignorando algumas das suas consequências (desagradáveis)
Para tentar enganar os outros, nada como enganarmo-nos a nós próprios.
Governo e Oposição, o habitual.
Não sendo eu economista.
BM

4 de dezembro de 2008 às 18:48  
Blogger Teófilo M. said...

"A PROPAGANDA GOVERNAMENTAL insiste em que Portugal, comparado com os outros países, não está assim tão mal,..."

E não é verdade? Estaremos pior do que aqueles que já teve oportunidade de referir, mais a Eslováquia. Mas mesmo assim, segundo me parece estamos abaixo da média da Euro Area como a define a OCDE, por outro lado parece que os indicadores da Gréciatambém não estarão à frente dos nossos.

"Todavia, são vários os países...continua a ser inferior à nossa. Casos da Irlanda, onde subiu de 4,7 para 7,1 (mais 2,4); da Suécia, onde subiu de 5,9 para 6,6 (mais 0,7); do Reino Unido, onde subiu de 5,1 para 5,8 (mais 0,7); da Itália, onde subiu de 6,3 para 6,8 (mais 0,5);..."

Ou seja, isto de subirmos 0,1 e os outros subirem entre 2,4 e 0,5, será a modos como uma coisa sem importância, que atingirá muito menos pessoas do que por cá, e por isso eles estão com muito menos desempregados do que nós e a vida deve correr-lhes como uma brisa fresca no Verão!

Claro que é tudo uma grande aldrabice, o que será verdade, é que por vezes a razão nos falta e a vontade de criticar é imensa, e quando o governo diz que há quem esteja pior do que nós, logo alguns se apressam a ler que o governo terá dito que estamos melhor do que estavamos.

De facto, o Português, para alguns, parece ser uma língua deveras difícil de interpretar.

4 de dezembro de 2008 às 20:21  
Blogger Blondewithaphd said...

Olhem-m'a novidade!

4 de dezembro de 2008 às 21:53  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Não sei se Churchill se referia aos políticos em geral ou aos ministros (julgo que era a estes) quando disse que os que não sabiam mentir eram incompetentes.
De facto, mentir já é, para eles, uma segunda natureza.

Conheci muitas pessoas dessas no mundo dos negócios - mentiam como respiravam, e gabavam-se disso.
Claro que, em geral, essas aldrabices eram "pistolas de um tiro só", apenas serviam uma vez...

4 de dezembro de 2008 às 21:59  
Blogger joshua said...

Given the collapse of the markets over the past several months, it is no wonder that the press should have seized upon an article present by Cardinal Ratzinger in 1985 for the symposium in Rome, Church and Economy. However, the media is indulging in gross sensationalism by saying that Ratzinger had a "prophecy" that the capitalist markets would collapse (see here and here). If you read the article, Ratzinger quite rationally expounded the connection between the morality of a culture and their economic systems and said that as capitalism viewed itself as an amoral system, it had a fundamental error in its presuppositions, for morality cannot be divorced from economic activity. In fact, Ratzinger suggested that morality is essential for a healthy market: "the market rules function only when a moral consensus exists and sustains them." Towards the end of the paper, in the last paragraph as a matter of fact, he states quite plainly that failure to respect and take heed of this intimate connection between morality and economics can lead to abuses that will cause the system to "implode."

First off, this is not anything close to a "prophecy." A prophecy, in the way the Church understands it, is a revelation from God about something to come. This is nothing like a prophecy. It's just a case of an intelligent thinker laying out, in cause and effect terms, what will happen to a market that refuses to acknowledge the moral dimension of man. I would say a more accurate term would be that the pope made a prediction or an educated guess, but not a prophecy.

Why am I so caught up about the word "prophecy?" Well, a prophecy implies that the thing that has come to pass is something that no one could have predicted otherwise. If I say, I have a "prophecy" that the Detroit Lions will lose a football game, people will laugh at me and say, "That's no prophecy; that's just common sense!" But if I say something outlandish, like "I prophesy that on such-and-such a day, two centuries from now, a meteor will strike the earth in a specific place, and then in fact it does, then my prophecy seems more likely to belong to the supernatural realm for the very reason that the event came out of nowhere and was difficult, if not impossible, to predict without supernatural aid.

Then by calling the Pope's prediction of the collapse of capitalist markets a "prophecy" the media is essentially saying, "God must have showed this fact to the Pope, because there's no way any of us could have foreseen that our system would ever collapse!" Do you see the subtlety? There is such an implicit faith in the soundness of our economic system, that nobody could imagine the ensuing collapse. And when one man does mention a possible collapse in a very scholarly, rational argument, are any of his points or reasons taken seriously? Does anybody look at the system and wonder whether or not the then-Cardinal Ratzinger may have understood something about economics? No -- it is simply written off as "he had a prophecy."


Now, I know they aren't really asserting that this was a vision from God or something. Most of the media outlets simply have used the word in their headlines to grab people's attention, but still they have to understand that words have meanings and ideas associated with them, and that when we choose to say Pope Had a Prophecy of Market Collapse, when what we really mean is Pope Presented an Article on Weaknesses in the Capitalist System, then we are really being disingenuous. Even the voice is wrong: to say the Pope "had" a prophecy to say something in the passive voice about something that happened to the Pope, while the reality is that the Pope presented (active voice) a paper he wrote. It is simply a sneaky way to attempt to maintain the appearance of health to our financial system, so much so that anyone who foresaw its demise must have "had a prophecy," because no one else could have foretold it any other way!

That's all I have time for right now, but I want to revisit this article in a few days, because it says some very interesting things about the connection between morality and economy, and it talks about some shortfalls of central economies and market economies.

4 de dezembro de 2008 às 22:02  

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