7.12.08

Sós

Por Nuno Brederode Santos
HÁ UMA NEURASTENIA que deve ser filha do cansaço. É, pelo menos, o que sinto, ao constatar que, com uma folha em branco pela frente, estive meia hora a observar a palmeira do vizinho e, nestes últimos minutos, pareceu-me vê-la crescer. Mas este cansaço é anímico, só afecta a vontade e o optimismo (sendo que, quanto a este, a natureza foi parca e nada esbanjou comigo).
Eu era seis semanas mais novo quando aqui escrevi sobre o problema, que ao Parlamento se punha, quanto ao estatuto autonómico dos Açores. No essencial, dizia que deixava aos constitucionalistas a discussão sobre os alcances do diploma e que me queria cingir a uma abordagem política. Que a autonomia insular foi concebida como instrumento de combate contra os custos da insularidade e visava, na fórmula - a que chamei "já ingénua" - do n.º 2 do art. 225.º da Constituição, o "reforço dos laços de solidariedade entre todos os portugueses". Que a fórmula provou bem e cumpriu, estando de há muito a Madeira entre as três regiões portuguesas com melhores indicadores e apresentando os Açores números lisonjeiros no ritmo comparado do seu desenvolvimento.
Dir-se-ia então estar tudo bem. Não está. A prática autonomista foi-se progressivamente fechando numa atitude cada vez menos solidária e recusando considerar sequer a partilha de qualquer preocupação com os custos da interioridade, nos quais residem hoje os mais clamorosos atentados à coesão nacional. Todos os partidos - com PSD e PS à cabeça (por via das suas hegemonias políticas na Madeira e nos Açores) - foram progressivamente apostando no valor emblemático das eleições regionais e nenhum quer prejudicar os seus resultados com a imposição de uma lógica nacional.
O Estado unitário que somos é cada vez mais desmentido na prática (e, no caso da Madeira, claramente no discurso oficial), fazendo-se caminho sorrateiro para um federalismo que os portugueses não votaram. E terminava perguntando como é que o poder central vai explicar a "alentejanos, transmontanos e beirões" a sua obrigação de, sendo mais pobres, estarem a pagar esses custos que não conhecem, nem as regiões autónomas lhes querem dar o direito de discutir. Esta caminhada institucional para o delírio tem sido feita por todos - repito, todos - os partidos na Assembleia da República.
(...)
Texto integral [aqui]

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5 Comments:

Blogger Táxi Pluvioso said...

Cada autarca puxa o seu carro de bois, cabe aos eleitos "alentejanos, transmontanos e beirões" puxarem o seu... se não tivessem agenda partidária a cumprir.

7 de dezembro de 2008 às 12:28  
Blogger Teófilo M. said...

O dedo bem aplicado na ferida que ainda lateja.

Nunca entendi a ameaça aos poderes presidenciais que o discurso precipitado do PR anunciou - não seria este um assunto a ser tratado no privado das chancelarias?

Por outro lado, creio que a maior parte de nós se está borrifando para a Madeira e para os Açores, como eles certamente se estão borrifando para nós, pois se diariamente nos borrifamos para os problemas do vizinho ao lado e/ou até do familiar afastado, porque carga d'água se importarão com os mais afastados.

7 de dezembro de 2008 às 17:43  
Blogger Bmonteiro said...

Aquilo a que o PR não pode escapar (como quase todos)
“O código cósmico” (a física quântica como linguagem da natureza)
«Se é que existe uma tal consciência colectiva, não faço a menor ideia de como comprovar a sua existência. Aqueles que apelam para uma consciência colectiva como «a vontade do povo» fazem-no geralmente para servir os seus interesses ou as suas opiniões políticas ou sociais»
Heinz R. Pagels, Gradiva (Lisboa)

7 de dezembro de 2008 às 21:44  
Blogger info-excluído@pessoa said...

Viva.
Eu não sou do interior, mas preocupo-me com os diversos desiquilíbrios que existem entre litoral e interior. É mau para os dois, e é mau para o país.

Ainda bem que se apoiam as regiões autónomas, mas às vezes parece que não se dá a devida atenção às carências e às dificuldades específicas de outras regiões. O interior - vários interiores, palavra que para mim funciona também como uma metáfora (para o próprio país, por exemplo; ah, e também uso a 'ironia', embora aquilo que sinto seja sério) -, tem que se revitalizar. Até o interior das cidades, face ao inchar dos arrabaldes.
O interior do país já representou uma fatia significativa do país real, mas está agora mais perto de se tornar num 'país virtual', apesar de também haver alguns sinais de esperança.

7 de dezembro de 2008 às 22:44  
Blogger Furetto said...

Muitos deles nem irão alguma vez perceber a explicação :\

8 de dezembro de 2008 às 21:14  

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