As Alegrias Clubistas
Por Maria Filomena Mónica
NUNCA PENSEI que isto me poderia vir a acontecer: há dias, fui convidada para escrever uma coluna num jornal desportivo. Estive quase a dizer que sim, por uma razão que, de bom grado, partilho com os meus leitores: invejo os adeptos do futebol. Talvez que, com um pouco de esforço, também eu conseguisse excitar-me com um esférico, mas valores mais altos, tal como a entrega de um livro no prazo estipulado, impediram-me de aceitar o desafio.
Contudo, a inveja não desapareceu. Também eu gostaria de poder declarar «Viemos todos, trouxemos as mulheres, as crianças e o porco»; também eu desejava passear-me entre very lights, petardos e bandeiras; também eu queria sentir empurrões, ficar empestada a cheiro de sardinhas e beber copos de carrascão; também eu queria envergar um cachecol, carregar uma geladeira e ostentar um chapéu extravagante; também eu queria gritar «goooooolo», antes de desmaiar; também eu queria respirar o ambiente tribal de um estádio.
Sei que tal nunca será possível. Um deus cruel decretou que os meus prazeres fossem solitários. Há quem, depois de ter lido um romance, ouvido uma ópera ou escrito um artigo, seja capaz de sair em busca de um grupo com quem partilhar amores e ódios. Não é o meu caso. Ainda não tinha dez anos e já deixara para trás a JEC (a organização juvenil da Acção Católica), mal iniciara a adolescência e já abominava as excursões de escola, ainda era caloira na Faculdade e já recusara a filiação nos agrupamentos rivais. Mesmo o 25 de Abril, propício a delírios colectivistas, apenas lançou uma fagulha na minha alma. Ao fim de dois comícios, voltei para casa. Não pensem que me orgulho disto. Esta tendência misantrópica até me inquieta. Mas, aos 64 anos, sei que nunca irei, pelo crepúsculo, gritar slogans entre multidões ululantes, adorar ídolos partilhados, sentar-me à mesa de famílias alargadas. Sozinha nasci e sozinha continuarei: é este o meu destino.
Etiquetas: FM
3 Comments:
Acordar cedo...divagar pela casa de chávena de chá na mão, ligar o aquecimento do escritório para tentar debelar os 4 graus instalados em cima dos livros e da tralha, fazer torradas, e ir arrastando assim o rasgar da manhã até me obrigar a sentar e a enfrentar a fera: mais um dia solitário entre livros e papeis. E assim é, e assim são os meus dias. E por tanto que me angustiem e por tantas manhãs que se arrastem penosas, não os queria, nem os podia ter de outra forma.
Tendo a pesar que a gestão desta inquietude temperada de misantropia e solidão evoluirá, com os anos, no sentido de um maior contentamento e apaziguamento. Mas, hoje, depois do ritual arrastado da manhã, ao ligar o pc e ler este post, verifico que aos 64 anos ainda se divaga sobre estes assuntos e reconheci no tom uma estranheza familiar perante a incapacidade de comoção colectiva.
Aos 13 anos fui ao primeiro concerto no estádio de Alvalade ver uma das minhas bandas preferidas. Foi uma conquista. Todos os meus amigos deliraram. Eu odiei. E daí em diante, passei o resto da minha vida a tentar disfarçar essa "fraqueza" que nos empurra para um limbo social bem estreito e, de certo modo, perverso.
Penso que falar em agorafobia não seria deslocado, pelo menos numa forma mais leve.
Quanto à imagem dos adeptos de futebol, talvez fosse bom ver menos as imagens da final da Taça de Portugal. Infelizmente, já pouco se vê dessas cenas que descreve MFM, as quais foram substituídas pelos palcos tão estéreis que tornam a ida ao estádio o equivalente a ver o jogo em casa pela televisão, mas sujeito ao clima e sem repetições.
E que pena não poder escrever para uma coluna de jornal por ter de entregar um livro. Que pena imensa. Há quem tenha que se preocupar com outras coisas, MFM preocupa-se com a entrega do livro. Azares...
Consigo identificar-me com esse lado de MFM. Apesar de ter alguma (rara) vida social, tenho de admitir, que no fundo, é sozinha que me sinto bem. Gostava de ser diferente... mas parece que me está no sangue.
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