Descubra as diferenças - Passatempo com prémio
DESAFIA-SE os leitores a comentarem estas duas intervenções, dando especial relevo às diferenças no que toca à forma de encarar "o outro". O autor do melhor comentário feito até às 20h do próximo domingo, dia 18, receberá um exemplar de «A Religiosa» (de Diderot) ou de «O Inferno» (de Dante) - à sua escolha.
(*) Não encontrei o código para afixação deste vídeo que, no entanto, está disponível onde se indica. A legenda do Público-online, por sinal (e como aqui se pode ver), tem [tinha] uma curiosa gralha, pois o que o Senhor Cardeal disse foi: «Pensem dias vezes antes de casar com um muçulmano»...
Actualização (18 Jan 09 / 21h45m): como habitualmente, pediram-se opiniões a duas pessoas. Uma delas votou em ART e em Alex-HAL; a outra votou em ART, LPontes e Sobolas. Assim sendo, o vencedor é ART, a quem se pede que, nas próximas 48h, escreva para sorumbatico@iol.pt indicando qual dos dois livros prefere e morada para envio. Obrigado a todos!
Etiquetas: AB, CMR, Passatempos
14 Comments:
Aqui deixo uma 'dica' para iniciar a discussão:
D. José Policarpo quebrou uma regra de ouro das figuras públicas:
1-Nem tudo o que se pensa se pode dizer
2-Nem tudo o que se diz se pode escrever
3-Nem tudo o que se escreve se pode publicar
Começo por dizer que este post do Sorumbático para mim valeu pelo vídeo com Obama. Não conhecia, mas gostei da coerência, da substância e do à vontade em lidar directamente mas de maneira simultaneamente delicada e sem subterfúgios com a questão. Fica também claro que enquanto Obama faz um discurso ou uma intervenção com mensagem, D. José Policarpo estava muito naturalmente a ter uma conversa de café: a típica. As palavras do dito não me incomodaram nada, até fiquei surpreso com o tom irónico e humorístico (monte de sarilhos que "nem Allah sabe onde acabam") de uma figura que quando a vejo aparecer está sempre tão conservadora, ponderada e razoável no exercício da palavra. O problema é que o que ele disse também digo eu na tasca em conversa com amigos (e mesmo assim com cuidado porque hoje nunca sabemos quem nos está a ouvir e não custa nada arranjar problemas). Impunha-se-lhe outro conteúdo para desenvolver e substanciar o que disse. Mas talvez esse fosse um diálogo que não podia ter sob pena de se virar contra ele próprio: então que ideia peregrina essa de querer virar o crente contra o dogmatismo? A forma e termos utilizados até teriam passado, ainda que alguns tivessem que engolir em seco, se depois se lhe seguissem umas considerações sérias. O estilo boutade é que não convence ninguém: primeiro não transmite nada; segundo, causa o burburinho inútil a que logo as televisões, que se vê mesmo não têm nada para dizer, decidem dar tempo de antena. Bem, já com Obama se aprende e achei piada porque me lembrou um livro que há tempos li daqueles fundamentalistas ateístas (!): Sam Harris, O fim da Fé. De facto o livro do deuteronómio diz coisas "fantásticas", de qualquer das formas isso que não escamoteie a realidade de que não me estou a lembrar de nenhum grupo que ande a fazer guerrilha ou terrorismo com base nas suas palavras. Talvez o pior da intervenção de Policarpo seja isso: critica a rigidez "ideológico-religiosa" de certos outros (os fundamentalistas) sem pôr a tónica devida e enfática que há coisas na religião que não podem nem nunca deviam ter sido levados a sério. E isso também não abona em favor de crente nenhum: primeiro, a coerência deve ser um grande valor para qualquer pessoa; segundo, mal tinham passado as religiões no momento da sua fundação se tivessem que contar com devotos como os de hoje (aqueles que MILL designa como crentes por herança e que me pareceu que Policarpo está mesmo a defender). Concluindo, e apanhando de novo Obama, então eliminando o que de péssimo tem a religião, não podemos ir buscar o bom a outro lado que não a instituições organizadas e mundanas?
Sendo eu ateu, fico parvo quando verifico que a maioria dos católicos que conheço sabem MUITO menos do que eu acerca dos textos sagrados.
Na maioria dos casos, nem sequer se mostram muito interessados na conversa, quando começo a falar do José, da Arca da Aliança...
Por sinal Eça, em Fradique Mendes, carta a Guerra Junqueiro (*), explica isso:
Passada a época dos fundadores das religiões, os seus seguidores passam a preocupar-se apenas com os rituais e pouco ou nada com a essência dos "ensinamentos".
_________
(*) Coloquei em:
http://sorumbatico-longos.blogspot.com/2009/01/guerra-junqueiro.html
Claro que, qualquer um com dois dedos de testa, percebe que o casamento de uma rapariga com alguém de uma religião que não deixa as suas próprias raparigas casarem fora dela, só pode ser "sarna para se coçar"!
Eu posso dizê-lo à vontade, até frente a uma câmara de tv, porque como sou um ilustre desconhecido, a ninguém, nem à câmara, interessa o que eu diga e portanto está a dita seguramente desligada.
Agora sendo uma figura pública daquele calibre, estando a ver as câmaras assestadas, claro que não se pode nem deve "dizer tudo como os malucos" - é uma curiosa expressão daqui - sob pena de se fazer figura de parvo, que foi a figura que o D.José acabou por fazer, sem necessidade.
Ainda se fosse o cura de Fraxins de Cima, ainda vá, mas logo alguém que representa uma igreja que se quer ecuménica e dialogante (quer?) num país onde, sabe-se lá porquê, se confunde sistematicamente moral e religião, sendo o D. José normalmente chamado a botar discurso sempre que o tema tem qualquer laivo polémico nessa área, seja a propósito de uma lei da reprodução assistida, do casamento homossexual, etc., numa clara assunção de que, por aqui, tudo continua nos concordatários tempos da disciplina de Religião e Moral!
Já o discurso de Obama é, claramente, um sinal de esperança e uma pedrada no charco bem maior do que a nós nos parece: não esqueçamos que ele é o presidente do maior país teocrático do mundo.
Desde sempre se sabe a opinião que a Igreja Cristã tem acerca de certos temas, desde o aborto, ao uso de preservativos...e desde sempre as coisas tem sido ditas, mas de forma contida, ponderada, mais menos tentanto ser sabiamente divulgadas...D. José Policarpo fugiu á regra, não na opinião da sua crença, mas na forma como foi dita.
Penso que ou terá tido um mau dia, como todos nós temos, ou então terá ficado senil!
Afirmações destas não me espantam, espantam-me é a forma de as divulgar...
Quanto ao Presidente Obama, cuja religião é Católico Protestante, mais uma vez de todo não me espanta, palavras sábias, contidas, reflectidas e bem divulgadas no momento certo.
Não me espanta vindo de uma criança que é resultado de Pai, criado na cultura Muçulmano apesar de ser Ateu, e de etnia Negra e Mãe Ateia e de etnia Branca/Ariana.
Apenas tenho a dizer:
Igreja Cristã teria muito a aprender com este Senhor Obama!
Na maior parte dos países islâmicos, a população vive sob a influência da xaria (a lei divina que regula as acções humanas).
No ocidente, só com o laicismo do estado é que a religião cristã deixou de influenciar as leis que são feitas.
Na idade média, os países europeus viviam como actualmente a maior parte dos países muçulmanos: no caso, sob influência da religião cristã, em todas as áreas da vida.
A tolerância face ao outro, que é diferente (independentemente do tipo de diferença), é maior onde a influência religiosa nas leis do estado é menor.
Se o cardeal Policarpo dissesse aquilo num país muçulmano, estava bem arranjado. A liberdade de expressão é bastante diferente.
Já agora, um pormenor:
D. José Policarpo é uma daquelas pessoas que dizem - como se pôde ouvir - «O Al Corão».
Alguém, com caridade cristã, lhe devia explicar que «Al» significa «O», pelo que a designação correcta é «O Corão».
Caros Confrades,
Antes de comentar as duas intervenções políticas aqui exemplificadas, gostaria de desfazer um equívoco bastante comum, em que o nosso estimado confrade, amigo e anfitrião, Medina Ribeiro também incorre :
Como o eminente arabista Dr. José Pedro Machado frequentemente esclareceu o livro sagrado dos Muçulmanos designa-se, em bom português, por Alcorão (do ár. Al-quran, a leitura), tal como sempre escreveram os nossos escritores clássicos, de Camões (Os Lusíadas, III, 50:8 e VII, 13:4) a Herculano, e quase todos os Historiadores desde então até aos contemporâneos mais escrupulosos em matéria linguística.
Só por hábito recente, por imitação dos franceses «Le Coran» e dos ingleses «The Koran», se começou, entre nós, a preferir o termo Corão, embora em ambas estas línguas persista nos dicionários o termo «Alcoran».
Como JPM explicou, p. ex., em «Palavras a propósito de Palavras – Notas Lexicais, da Editorial Notícias, 1992 e no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, em 5 volumes, da Editora Livros Horizonte, 5ª edição, 1989 - o artigo do árabe – al – entrou associado ao substantivo na nossa língua e por isso se diz «o Alcorão», tal como se diz «a alfaia», e não a faia, «o alguidar» e não o guidar, «o alfinete» e não o finete, «o alfaiate» e não o faiate, «o alferes» e não o feres, «o alcaide» e não o caide, «a almotolia» e não a motolia, etc., etc.
Quem quiser, pode aportuguesar o Coran francês, para Corão, mas não há nenhuma necessidade disso, nem muito menos é válida a justificação apontada, para evitar o suposto pleonasmo com a repetição do artigo.
Trata-se de um processo típico de incorporação de termos de língua árabe para o português, em que aquela se fez aglutinando o artigo «al» árabe, na formação do nosso vocábulo.
De resto, basta consultar qualquer obra de filologia portuguesa, de JPM ou de outro reputado autor, para se comprovar a doutrina.
Como se descobre, paira por aí muita confusão nestes assuntos do árabe e do português, o que não admira, porque daquele pouca gente sabe em Portugal e do nosso próprio idioma cada vez se sabe menos, situação que, naturalmente, potencia o erro.
Aqui fica feita a chamada de atenção ao nosso prezado anfitrião, que não deve aborrecer-se com esta observação, porque ninguém nunca sabe tudo e estamos todos sempre a aprender uns com os outros, desde que pratiquemos certa abertura de espírito.
Quanto às intervenções de Obama e de D. José Policarpo, direi que a do primeiro é um bom exercício de retórica, de prévia cuidada preparação, para parecer espontâneo, ainda que contenha doutrina amena, facilmente consensual, embora não pague os devidos direitos à tradição americana, mas disso curarão os americanos, lá mais para frente, se o multiculturalismo inquieto romper os equilíbrios actuais e o senso comum do povo americano, ainda prevalecente, começar a enfadar-se com certas ousadias daquele.
Quanto à intervenção do nosso Patriarca, convém notar que ela foi feita numa conversa descontraída, logo não preparada, sem a preocupação de ganhar a simpatia de eleitores de todos os credos.
E, afinal, nada disse o Patriarca de extraordinário, porque todos temos noção da forte intolerância típica da actual mentalidade muçulmana, nalguns aspectos até retrógrada em relação à sua própria tradição.
É conhecidíssima a submissão da mulher em qualquer sociedade muçulmana.
Na Europa, no seio das comunidades muçulmanas, ela é menor, por força do meio envolvente que não admite essa submissão, nem discriminações de género, pelo menos na Lei, embora mesmo na Europa: em França, na Inglaterra, na Alemanha, na Holanda e na Bélgica, sobretudo, se saiba de situações muito lamentáveis de repressão contra as mulheres, muçulmanas ou não, mas coabitando com muçulmanos, praticadas por homens desta orientação religiosa.
Tudo se agrava para a mulher que vive em países muçulmanos, onde o seu papel de submissão, voluntária ou involuntária, pode assumir aspectos inimagináveis para a nossa cultura, predominantemente libertária e igualitária.
Querer negar isto, é viver noutro planeta. Equiparar as situações da mulher nas duas sociedades, a ocidental, de matriz cultural cristã e a muçulmana, é pretender ignorar a realidade.
Daí que as frases do Patriarca me pareçam banais, de mero bom senso, se no amor ele pode subsistir, única condição em que os seus conselhos podem fracassar, porque o amor é um sentimento não completamente racional, por vezes até, bem rebelde ao exercício da razão.
Só por esta acepção, as suas palavras podem ser contestadas. No mais, são puras banalidades, para quem não ande distraído, nem navegue nas águas turvas do pensamento politicamente correcto.
Porquê, então, tanto alarido por tão pouco ?
Caro António Viriato,
Só tenho a agrdecer-lhe a correcção, e tratando-se de um erro em que "vegeto" há muitos anos, vou aproveitar para aprofundar o assunto.
A Wikipedia, em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alcor%C3%A3o
confirma o que diz António Viriato.
Vale a pena ler.
Como abordar dois discursos colocados lado a lado e atestar das suas diferenças de posição, de abordagem, de conteúdo sem antes passar pelas diferenças substanciais da existência dos próprios discursos?
O de Policarpo, um discurso expontâneo, nascido como reacção às interpelações de uma audiência, feito de pura opinião pessoal e sem subterfúgios.
O de Obama, preparado, ensaiado, produzido com "conta, peso e medida", disposto de forma a conquistar uma audiência vasta independentemente (embora atendendo) às suas características.
Nada disto, no entanto, torna um mais válido ou mais honesto do que o outro.
Mas exactamente pelo que apontei, é necessário compreender que o discurso de Policarpo seja "sinuoso" e sujeito a interpretações.
A sua linguagem é a do dia-a-dia ( e como bem sabemos, não há língua mais traiçoeira do que o português).
Claro que atentamos perfeitamente no teor paternalista do seu discurso, no seu aviso emocional que se divide entre muçulmanos e cristãos, mesmo que em graus diferentes.
Mas, pela sua própria honestidade, não há nada que possa ser colocado como intencionalmente ofensivo.
De peito aberto, as suas opiniões estão ali expostas, sujeitas a qualquer escrutínio e a qualquer acusação imediata.
Já Obama tem direito a preparar o seu discurso e usá-lo, sub-repticiamente, para divulgar as suas políticas e lançar acusações. Ou, se preferirem, dar opiniões particulares e lançar avisos, mas de forma suficiente e trabalhadamente discreta de forma a não ferir sensibilidades.
E, no entanto, é neste discurso que até veria mais casos de ofensa se me tocassem particularmente.
Enquanto nos fala de uma América aberta à diversidade, não deixa de nos indicar a forma como se deve chegar a uma política contra o aborto, assim contrariando o seu próprio discurso. Isto só para dar um exemplo muito evidente.
O seu público é subliminarmente dominado e conduzido.
Portanto, se há uma diferença de tratamento "do outro" e "da audiência", essa diferença vem da consideração que cada um faz do grau de inteligência desse "outro" e dessa "audiência".
Para D. José Policarpo, o "outro" e a "audiência" são suficientemente inteligentes para tirar as suas conclusões e compreenderem o propósito dos avisos que lança.
Para Barack Obama, o "outro" e a "audiência" são naturalmente diminuidos no seu grau de capacidade de compreensão e precisam de ser manipulados dentro de um discurso lexica e gramaticalmente árido (e, por isso mesmo, supostamente "não ofensivo").
Irei preferir sempre a possibilidade de discussão do primeiro - considerando que terá a capacidade de diálogo que não reconhece a muçulmanos e muitos cristãos - à manipulação prepopente do segundo.
PS - Faço notar que não importa se os conteúdos de ambos os discursos são justos ou não. Tenho uma opinião particular sobre cada um que certamente só a mim me importa.
E nada do que disse me faz admirar menos qualquer um dos protagonistas.
Simplesmente há uma falta de vontade de ver para lá do óbvio destes discursos, parece-me.
Felizmente não neste blog.
Excelente post e excelente ponto de reflexão.
Caro Carlos Medina, a legenda do Público não tem gralha.
O Cardeal disse mesmo "pensem bem em casar com...".
Só essa correcção.
Abraço!
Alex HAL,
Bem... Tomei boa nota...
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