13.4.09

Cismar pelo Inverno

Por Maria Filomena Mónica
A VANTAGEM DE SE DESCONHECER uma parte da árvore genealógica consiste em que a podemos imaginar diferente da que realmente foi, permitindo-nos adoptar a família que nos apetecer. Sabendo apenas que o meu avô materno era minhoto, sonho com os antepassados que gostaria de ter tido. Deixando de lado verosimilhanças sociológicas, imagino-me herdeira das personagens que povoam as crónicas de António Sousa Homem no Diário de Notícias.
Passei a comprar aquele jornal desde o dia em que ele começou a escrever no suplemento de Sábado, admirando-me que as refundações do mesmo o não tenham afastado, porque, forçoso é reconhecer, não deve ter muitos leitores. Nunca o vi incluído em listas de frases, nem notei ser a sua prosa louvada pelos críticos. Mas não é apenas o seu estilo que me atrai, mas o quotidiano do gentleman de Moledo do Minho, à sombra da memória tutelar de sua mãe, que o educou para suportar desgostos e desconsiderações, e do velho doutor Homem, seu pai, que se comportava como uma poeta satírico cujo propósito era rir dos românticos. Este mundo de sombras interessa-me mais do que os amores do Dr. Luís Filipe Menezes, o jogging do Engº Sócrates ou as intrigas de Belém.
Há dias, estando a pensar na poesia de Cesário Verde, ri-me ao ler, numa das suas crónicas, que o seu pai «costumava dizer que a choraminguice portuguesa tinha sido transformada em lei pelo constitucionalismo e pelos liberais que tanto assinavam decretos como nos puniam com sonetos». Como ele, considero que o lado emocional da vida é uma coisa para consumo moderado; como ele, não tenho fé; como ele, penso que o género humano é um mistério. Agora, que as chuvas chegaram, dei igualmente comigo a cismar pelo Inverno. Se calhar, a divisão entre esquerda e direita não é tão importante quanto isso.
Novembro de 2007

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