21.2.10

Com a tão nossa e querida ilha

Por Ferreira Fernandes

O QUE ACONTECEU ontem é simples de dizer e doloroso: aconteceu uma tragédia a Portugal. Morreram 32 portugueses. Campos nossos foram arrasados. Pequenas vilas ficaram isoladas. Uma nossa cidade, por sinal a mais bela cidade de Portugal, foi invadida por lama. Janelas debruadas como há séculos os portugueses sabem fazer e espalham pelo mundo fora (Lubango, São Luís do Maranhão, Honolulu...) - e quem mais as espalhou foram os filhos desta cidade, e fizeram delas uma marca de Portugal -, janelas dessas, foram afogadas pelas enxurradas.

Nessa nossa cidade de telhados vermelhos, paredes brancas e persianas verdes, ontem era tudo cinzento e castanho, da montanha ao mar. As torres vigias que em tantas casas se erguem para espreitar o mar, de onde chegavam os corsários e por onde partiam os mais cosmopolitas de nós, surpreenderam-se porque, ontem, o que acontecia vinha do lado contrário.

Esse nosso pedaço de Portugal é pequeno e aos seus rios chama ribeiras, nome dramaticamente irónico, ontem, tal a força das águas revoltas que carregaram automóveis até à baía. Aquele nosso Portugal tem nome próprio, aqueles nossos portugueses têm um nome particular, uma fala particular, aquela nossa bela cidade tem nome - mas hoje só me apetece dizer o essencial: estou a falar de nós.

«DN» de 21 Fev 10

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4 Comments:

Blogger GMaciel said...

É verdade, somos nós, portugueses, é connosco o que testemunhamos. E o português, por muitos defeitos que tenha, é irmão do seu irmão nas horas de angústia.

21 de fevereiro de 2010 às 19:38  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Neste momento, não será a melhor altura para falar disso.

Mas passado o período de choque e luto, é bem possível que se descubra que, como habitualmente sucede, estas catástrofes tenham causas bem humanas - algumas já referidas, como o radar meteorológico que não existe, a construção em leitos de cheias, etc.

Por cá (no Continente), e em menor escala, temos as eternas sarjetas que os incompetentes de serviço só limpam DEPOIS das inundações, as ribeiras atulhadas de lixo, etc.

21 de fevereiro de 2010 às 19:49  
Blogger Sepúlveda said...

Já diz o Instituto de Meteorologia que se tivessem um radar na Madeira poderiam ter previsto a intensidade da precipitação com 3 horas de antecedência. E depois? É certo que poderiam avisar as pessoas a não sair à rua ou a tomar precauções. E que outras precauções? E mandavam funcionários desentupir sarjetas para escoar a água? Nem em Lisboa, onde, lá está, só nos preparamos para a chuva depois de chover...
É que as consequências observadas não estavam minimamente previstas mesmo que se soubesse de antemão a quantidade de precipitação.
As verdadeiras precauções estariam no planeamento prudente das edificações, que certamente terá sido insuficiente.

Isto não invalida que a população da Madeira mereça toda a solidariedade e apoio.

22 de fevereiro de 2010 às 08:22  
Blogger Valério Guerra said...

MADEIRA, 20/02/010

Era noite e choveu
todo o desgosto do mundo
e às nove da manhã
a terra prometida
de repente ensandeceu:

a água trazia terra
e árvores e pedras e casas
e haveres que deixavam de o ser
e vidas que partiam para morrer
e os olhos começaram a duvidar
se não seria uma guerra

porque a terra prometida
não iria roubar-lhes a vida!

Mas roubou!

E de entre o horrendo trambolhão
que a natureza espalhou,

o silêncio que arde
e queima e estropia
começou:

a dor que morrerá
à entrada de um dia
num lugar que se não sabe;

a dor dos inocentes
e das preces condicentes!

Valério Guerra

25 de fevereiro de 2010 às 23:24  

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