18.10.10

O Padre Ventura é perigoso


Por Alfredo Barroso

ESTÁ A CIRCULAR na Internet uma entrevista de um tal padre Fernando Ventura à SIC Notícias, que é um modelo de demagogia antidemocrática disfarçada de erudição.

Até certa altura da entrevista, este padre faz críticas que qualquer cidadão sensato – e justamente indignado com o que se está a passar – poderá subscrever e compartilhar.

Mas, a partir de certa altura, insidiosamente e como quem não quer a coisa, o padre vai arrasando os políticos (todos os políticos), os partidos (todos os partidos) e, implicitamente, todo o sistema democrático (que é demonizado).

E quando, às tantas, ele diz que os conceitos de «esquerda» e «direita» estão ultrapassados, descobre a careca. Já sabemos, há mais de meio século, que esse é um argumento típico de gente de (extrema) direita.

Foi com discursos como este que a (extrema) direita católica e os militares reaccionários deram o golpe do 28 de Maio, em 1926, acabaram com a I República, foram buscar Salazar e implantaram o Estado Novo, que oprimiu o País durante quase meio século.

Aliás, é com manifesto deleite e desonestidade intelectual que o padre Fernando Ventura ataca e arrasa a I República, indo ao ponto de concordar com a entrevistadora quando esta dá a entender que, hoje, há tanto analfabetismo em Portugal como há 100 anos. De bradar aos céus!

Não admira que, no ambiente tão deletério em que estamos a viver, tenha aparecido agora outro padre (nos telejornais) a celebrar a missa numa igreja cheia de devotos (fregueses) com capacetes na cabeça (tal como ele) e a proclamar que a I República «roubou» aquele templo à Igreja, faz agora 100 anos.

O padre Ventura chega mesmo a sugerir que os políticos sejam levados a tribunal. Mas ainda não vai ao ponto de propor – como ouvi um «popular» dizer, num fórum da SIC Notícias – que os militares deviam prender estes governantes e julgá-los em tribunal marcial.

Nada disto acontece por acaso. E é vergonhoso que a Igreja esteja, insidiosamente, a aproveitar-se da situação de gravíssima crise que o País atravessa, para pôr as garras de fora e atacar brutalmente a democracia.

É evidente que isto não me dispensa de criticar duramente José Sócrates e Pedro Passos Coelho - políticos de plástico que rivalizam na demagogia, na irresponsabilidade e na incompetência políticas - nem de desejar a demissão de um dos mais patéticos Ministros das Finanças que já tivemos desde o 25 de Abril: Teixeira dos Santos.

Mas julgo que os democratas devem ter o cuidado de saber distinguir entre a crítica política necessária - e contundente – ao poder do dia, e este discurso reaccionário, «neo-clericalista» e antidemocrático de um padre que é, manifestamente, oriundo da direita mais reaccionária.

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16 Comments:

Blogger José Meireles Graça said...

Ah bom, Sócrates é de "plástico" e Teixeira dos Santos é "patético"? Só muito recentemente, o que vi durante anos de todos os socialistas que têm acesso aos meios de comunicação, Alfredo Barroso incluído, foi a defesa veemente destes dois senhores. O barco está a afundar, realmente. O outro político dito de plástico, que aliás ainda não mostrou de que massa é feito, foi um dos que denunciou o plástico e o patético, muito antes de estarmos afogados, não em plástico, mas em merda.

18 de outubro de 2010 às 19:08  
Blogger Karocha said...

"Perigoso" Dr. Barroso, está claro...

18 de outubro de 2010 às 20:44  
Blogger macy said...

"Nada disto acontece por acaso. E é vergonhoso que a Igreja esteja, insidiosamente, a aproveitar-se da situação de gravíssima crise que o País atravessa, para pôr as garras de fora e atacar brutalmente a democracia."
Concordo mas não estou surpreendida. É quase sempre assim que a Igreja actua não é?

18 de outubro de 2010 às 21:35  
Blogger Karocha said...

Cara/o macy

A Igreja funciona de outra forma e, eu sei bem demais!!!

18 de outubro de 2010 às 21:49  
Blogger José Batista said...

Pois eu acho que perigosos são os que nos conduziram à situação em que nos encontramos e mais aqueles que só agora lhes notam os defeitos.
Seja lá quem for este padre, o que diz é dramaticamente verdadeiro.
E quanto à primeira república afigura-se-me que o maior esforço para que acabasse foi feito por... ela própria. No que a terceira parece estar a repetir-lhe os passos.
Quanto aos analfabetos de hoje e de há cem anos não disponho de dados para fazer a contabilidade. Mas tenho para mim que os analfabetos de há cem anos sabiam, pelo menos, que eram analfabetos. Agora a conversa é outra: há muita gente que não sabe ler nem escrever, mas vive bem, olha "de cima da burra", e dispõe de diplomas que lhe atestam o alfabetismo, ou literacia, como agora se diz...
E os padres Ventura não me assustam. Medo tenho eu dos que me roubam abjectamente, querendo convencer-me de que estão a ajudar-me. E chego mesmo a pensar: livrem-me de tais amigos que com os (meus) inimigos posso eu bem.

18 de outubro de 2010 às 23:13  
Blogger Bartolomeu said...

Verdadeiramente Laico, verdadeiramente conhecedor do que importa para uma democracia a separação entre governo e igreja, só conheci um homem até hoje. O seu tio, Dr. Alfredo Barroso... Mário Soares.
Mas... estas "coisas" não se aprendem nos livros, nascem do ser, do ser conhecedor da sociedade civil, política e religiosa, do ser conhecedor do país, das gentes, da europa e do mundo, do ser conhecedor do puzzle que é a sociedade e onde cada peça tem um lugar único onde cabe.
Quanto ao frade Ventura e ao seu discurso... bom... a sociedade deste país, está a viver uma das piores fases da sua existência. Em épocas passadas, devido sobretudo a guerras e a agitações sosciais, já passou Portugal por grandes crises, mas, existia um futuro vislumbrável, uma terra para descobrir, uma terra para arar, novas técnicas para experimentar, bastava que se retomasse a vontade e se deitasse mãos à obra, sob a batuta de um líder.
Hoje a crise é diferente, porque foram desperdiçadas condições de progresso, porque a sociedade em construção se deixou desmoronar e porque não se vislumbra futuro.
Tem-se a sensação que qualquer líder que possa surgir, será incapaz de nos conduzir ao caminho da tão desejada retoma, da tão desejada estabilidade, económica, social e política. Somos um corpo sériamente doente a quem um médico diagnosticou uma doença grave, terminal e que hoje escuta as opiniões de qualquer curandeiro, bruxo, curioso, alquimista, sapateiro que surja, o qual, desde que lhe fale dos males de que padece, será tido como "o" seu salvador.

19 de outubro de 2010 às 08:37  
Blogger JARRA said...

Essa de que dizer que os conceitos de direita e esquerda estão ultrapassados,são argumentos de extrema direita é original. Já agora, que está por dentro, esclareça-me lá - o PS é de direita ou de esquerda?

19 de outubro de 2010 às 09:30  
Blogger GMaciel said...

A vergonha era verde veio um burro e comeu-a. Pode dizer-se o mesmo da esperança, da utopia, da felicidade, mas hoje mais do que nunca a falta de vergonha é o vazio que deu azo ao vício.

A falta de vergonha dos que extorquiram e continuam a extorquir ao Estado o que é do Estado, a falta de vergonha dos que afundam a nação e ainda a culpam, a falta de vergonha dos que se enchem à tripa-forra discutindo e minguando as migalhas que dizem sobrar, a falta de vergonha de quem diz falar em nome do que incontestavelmente desconhece e ainda a falta de vergonha dos ratos que apoiaram e defenderam a corrupção, o compadrio e o clientelismo, e que vomitam agora a decomposição desta grande farra no prenúncio do naufrágio.

A mim, resta-me a vergonha de ter participado numa democracia falsificada, de ter sido figurante anémica desta farsa da república, de ter contribuído estúpida e cegamente para o desconchavo de um país que merece muito melhor do que aquilo que eu ajudei a proporcionar. Resta-me, ainda, a esperança de que a vergonha se torne maior do que a desesperança, e corra à bastonada com esta corja de parasitas e seus arautos.

19 de outubro de 2010 às 15:21  
Blogger macy said...

Cara Karocha
Mantenho a minha posição. Eu tb conheço a Igreja bem demais... Basta ver a sua história ao longo dos séculos!

19 de outubro de 2010 às 21:21  
Blogger António Viriato said...

Alfredo Barroso que não é parvo, com esta sua insólita argumentação quer tomar-nos a nós como tal.

Então é de extrema-direita quem relativiza, nos dias de hoje, a diferença entre a Direita e a Esquerda políticas ?

É Sócrates um político de Esquerda ?

Se sim, a que dias e a que horas ?
Aquilo que o Frade ventura diz na entrevista é banal, corrente e verdadeiro.

Lamento, mas já não é possível iludir com verbosidades ocas a responsabilidade dos socialistas, no descalabro a que fomos conduzidos. Desde 1995 que esta família política nos desgoverna, descontando, entretanto, o infeliz desempenho da dupla Barroso-Santana de cerca de dois anos e meio.

Quase todos os membros daquela numerosa família foram cúmplices com a aldrabice socrática e nem Manuel Alegre se pode eximir à vergonhosa cumplicidade, de resto, acentuada desde que recebeu o apoio oficial de José Sócrates para a sua fantasiosa candidatura à Presidência da República.

Portugal passa, na verdade, por horrível transe político, pela fraca categoria dos seus actuais agentes políticos, de todos sem excepção, mas, em particular, cumpre terminar com o presente domínio socrático-socialista, que alastrou a todos os sectores do aparelho de Estado e até, pasme-se, aos redutos mais ciosos da iniciativa privada.

Veja-se como até a presidência e a vice-presidência do BCP acabaram nas mãos de figuras socialistas, uma delas portadora de Licenciatura recente, de 2004 ou 2005, em Relações Internacionais, passada por Universidade, entretanto extinta, por inúmeras práticas anómalas no seu funcionamento interno, que lhe retiraram qualquer tipo de credibilidade.

É esta gente que urge arredar do Poder, quanto mais cedo melhor.
Depois, é «rezar» para que surja alternativa capaz.

Como pode Alfredo Barroso querer equiparar as responsabilidades de Sócrates e Passos Coelho, no presente descalabro ?

Lamento, mas a farsa socrático-socialista está finalmente a terminar e não haverá já retórica, por mais hábil e difusa, que a possa salvar.

Toda a calamidade deve ter seu fim.

19 de outubro de 2010 às 23:57  
Blogger Bernardo (Velho) said...

Caro Dr. Barroso,

Aquilo em que se centra o seu comentário é uma perfeita analogia ao que têm sido os últimos anos da democracia em Portugal, com inexorável esplendor na figura do Eng. Sócrates: a parte que menos interessa é a que nos é arremessada à cara, tentando ludibriar as atenções e recentrá-las em matérias que em nada nos ajudam a sair do "buraco" em que estamos.
Fazer sair da entrevista do Padre Ventura que ele será um apregoador da extrema direita é desonesto intelectualmente.
Então e as referências às mentiras que nos são servidas todos os dias, olhando-nos bem nos olhos sem qualquer pudor?
À falta de vergonha destes dirigentes que nos dizem que está tudo bem em ano de eleições e aumentam os funcionários públicos em 3% e reduzem o IVA, para logo depois serem "surpreendidos" pela crise (mais uma mentira das grandes)?
À falta de educação de um povo que pode chegar à faculdade sem saber ler e escrever e que, apesar da quantidade de falsidades que lhe é apresentada, continua a votar neste Sr. que tanto mal nos fez e continua a fazer? Isto é o resultado de memória curta, de um povo que não acredita nem quer acreditar no sistema decrépito que temos.
É, realmente, tempo de acordar! De pararmos de discutir questões laterais e voltarmos a centrar a nossa preocupação no bem estar das pessoas e no interesse nacional acima do interesse pessoal dos políticos sem vergonha e com "rabos de palha" como o Sr. Sócrates.
Independentemente do que venha a seguir, e parafraseando José Sócrates, creio que está para nascer o primeiro ministro que consiga mentir tão descaradamente olhando nos olhos dos portugueses.

20 de outubro de 2010 às 12:03  
Blogger Ritinha said...

Completamente de acordo, este padre é um perigo.
Sabendo como em certas alturas a verdade é perigosa,
não querem lá ver que o padre ousou falar verdadede?
Com pessoas a falar assim, ainda se vai descobrir que essa tal democracia que enche a boca de alguns, tanto que até a vêm vómitar nos blogs, põe 20% da população no limiar da miséria, a classe média onde sabemos, mas põe os afilhados dos padrinhos a ganhar acima de um milhão de euros, sem mérito conhecido?
O Padre Ventura é um perigo.

21 de outubro de 2010 às 18:08  
Blogger Unknown said...

Há uma subtileza que o Dr. Barroso finge não ter reparado: o padre Fernando Ventura não arrasa todos os políticos e todos os partidos, mas sim os que têm estado sentados no poder. Desde que um certo político, que o senhor conhece bem, meteu o socialismo na gaveta o conceito de esquerda e de direita deixaram de ter o sentido tradicional neste simulacro do democracia que serve os interesses não sei de quem, mas do povo não será com certeza. Foi isto que foi arrasado, não foi o sistema democrático. É isto que está podre e à vista de todos. Desonesto é catalogar de reaccionário e de extrema direita quem denuncia.

23 de outubro de 2010 às 00:00  
Blogger Fartinho da Silva said...

Denunciar a oligarquia em que se transformou a república é de extrema-direita??!!!??

E roubar os portugueses de forma descarada é de extrema-direita?

E descartar qualquer futuro às gerações de 70 é de extrema-direita?

Tudo o que referi não sei se é de extrema-direita, mas uma coisa eu sei:

A oligarquia é inimputável.

24 de outubro de 2010 às 00:17  
Blogger P. José Luís said...

E claro, sempre que um padre fala com clarividência profética, lá vem o anticlericalismo ao ataque... é sempre assim... anticlericalismo e outras coisas mais acabadas em ismo,sem pensar claro está em comunismo, porque essa é outra conversa

19 de novembro de 2010 às 18:59  
Blogger João Paulo Pinto said...

Meu caro Amigo

O Sr devia arranjar qualquer coisa de útil para fazer. A entrevista do Frei Fernando é bem clarificadora.

Cumprimentos,

JPP

2 de dezembro de 2010 às 02:45  

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