20.1.11

Antes

Por João Paulo Guerra

ORA AÍ ESTÁ o grande e decisivo contributo da classe política para a confiança dos portugueses na democracia e nas instituições democráticas: 9 em cada 10 portugueses - ou, pelo menos, da amostra de 1002 portugueses ouvidos para um estudo de opinião - dizem desconfiar ou confiar muito pouco na classe política, nos Governos e nos partidos políticos, 8 em cada 10 desconfiam da Assembleia da República e 7 em cada 10 não confiam nos tribunais nem na administração pública. Pior é impossível: a prática dos políticos que temos, e que têm exercido a política numa forma de alternância parecida com uma dança das cadeiras, tem virado os portugueses contra a democracia. E é assim que 46 por cento dos portugueses consideram que as actuais condições económicas e sociais são piores do que antes do 25 de Abril.

O 25 de Abril tem as costas largas. O simples mas decisivo facto de ter abolido a censura permite que se critique o "depois" torna discutível qualquer avaliação do "antes". É que antes os portugueses sabiam da missa menos que a metade, com a realidade silenciada pela censura. Também não havia protestos nem greves e manifestações que dão mais visibilidade à situação social e económica. Mas só um cego daqueles que não querem ver pode considerar que "antes" - com guerra, repressão, censura, miséria, trabalho infantil, gente descalça nas ruas, mais de um décimo da população fugida ao país, meio país sem água canalizada nem luz eléctrica - era melhor que "depois".

"Antes", Portugal era governado em ditadura. Hoje mandam os velhos ou novos interesses, por intermédio de uma burocracia partidária desqualificada, salvo excepções que se contam pelos dedos da mão. Apesar de tudo, Portugal mudou para melhor. E os portugueses até são livres de negar essa evidência.
«DE» de 20 Jan 11

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5 Comments:

Blogger Fartinho da Silva said...

Os portugueses quando recebem os filhos emigrados e licenciados ou até doutorados no aeroporto da Portela, quando olham para os vencimentos, quando verificam a factura da electricidades, quando abastecem o seu automóvel, quando pagam as compras no supermercado, quando pagam a conta nas autoestradas e nas ex-scuts, quando vêm os salários dos imensos Cristianos Ronaldos que temos em locais como a RTP, GALP, EDP, CGD, empresas municipais, públicas, semi-públicas, etc., etc. quando olham para as despesas futuras das parcerias público privadas, quando olham para as reformas milionárias de uns quantos, quando olham para os salários acumulados com prémios, cartões de crédito, seguros de saúde, reformas, etc., etc., etc., quando olham para casos judiciais onde estejam envolvidos políticos nada acontece, etc., etc.

Tiram uma conclusão muito simples:
"No tempo do Salazar isto não acontecia, ponto final parágrafo."

E tiram uma outra conclusão:
"Porque não emigrei quando me apareceu essa oportunidade?"

Sim, estamos muito pior que antes do 25 de Abril. O ensino era para poucos, mas tinha qualidade. As finanças públicas estavam controladas. A economia crescia mais de 6% ao ano. O número de corruptos era infinitamente inferior.

Pode afirmar, e com razão, que chegarmos a isto é inacreditável, mas o que é certo é chegámos e agora urge tomar medidas. E é bom que as tomemos, porque caso contrário podemos ter num prazo breve um novo Salazar no poder.

20 de janeiro de 2011 às 18:08  
Blogger Fartinho da Silva said...

Desculpem as gralhas, só agora reparei. Escrever numa caixa tão pequenina é mais complicado do que me parecia inicialmente.

20 de janeiro de 2011 às 18:10  
Blogger R. da Cunha said...

Pois é: antes do 25/4 a escola era para todos, o acesso ao ensino superior era fácil, havia bolsas de estudo em barda, todos tinham telemóvel ou telefone, todas as casas tinham TV e computador, água e saneamento, automóvel à porta ou na garagem do apartamento próprio, reforma (maior ou menor), acesso à saúde, morria-se aos 80/90 anos, direito a opinar sobre o que nos apetecesse, etc., etc.. Nâo estamos bem? Não! As expectativas que nos incutiram foram muito elevadas e nós também não tivemos juízo, fomos no canto das sereias. Pergunto: alguém no seu perfeito juízo quereria regreassar a 24/4?

20 de janeiro de 2011 às 18:32  
Blogger Fartinho da Silva said...

Caro R. Da Cunha,

Estive a descrever a situação actual vista pela geração pós 25 de Abril e quer queira quer não é assim que vemos a nossa situação.

Hoje, qualquer pessoa com menos de 40 anos sabe que é muito provável não vir a ter reforma, sabe que tem que pagar o colégio dos filhos, porque a escola pública é um local demasiado perigoso e onde a prioridade tem sido entreter em vez de formar, sabe que tem que pagar a saúde porque os hospitais públicos estão com imensa dificuldade em segurar os melhores médicos, sabe que tem assegurar uma boa parte dos rendimentos dos pais porque a sua reforma é quase sempre miserável e acrescentando a isto a carga fiscal inacreditável para os nossos escassos rendimentos, os monopólios na energia, entre outros faz com que esta geração esteja perto da ruptura.

E eu sei isto porque faço parte dessa geração.

Sabe quanto vamos pagar em ppp a partir de 2014-2015? 2500 milhões de euros. Sim, dois mil e quinhentos milhões de euros. Ou seja pagaremos um TGV Lisboa-Caia todos os anos. Sabe quanto pagámos de juros em 2009? 6,3 mil milhões de euros, ou seja pagámos o equivalente ao que gastamos com o Ministério da Educação. E na altura a taxa de juro era de 0,9%!!

Eu tenho a firme certeza que depressa chegaremos junto dos credores para renegociarmos a dívida, porque é impossível o pagamento da mesma.

Quanto aos aspectos positivos realçados por si, mal seria se em mais de 36 anos e com milhões de euros injectados diariamente no país não tivéssemos acrescentado algo de valor ao país, o problema é quando nos comparamos com outros países...

Este regime está morto e o cheiro do cadáver é já insuportável.

20 de janeiro de 2011 às 18:52  
Blogger José Batista said...

Também aos meus olhos carece de sentido a comparação fácil da situação actual com a situação (imediatamente) anterior ao 25 de Abril. Porque, de contrário, bem podíamos optar pela comparação com o tempo da escravatura, e então "rebentaríamos" de felicidade...
Temos alguma tendência para o "antes assim que pior", que julgo tão válido como a aceitação de que os que me roubam, sempre que a lei o permite ou estimula, o fazem com legitimidade...

20 de janeiro de 2011 às 19:29  

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