16.1.11

Broadway forever ou, em subtítulo, a histeria do saca-rolhas

Por Pedro Barroso

JÁ POSTEI algures esta ideia anteriormente, mas neste momento não resisto a clamar o que sinto.
Independentemente dos géneros, linguagens e afectos próprios, dois jornalistas - ambos Carlos de seu nome, por coincidência - nos deixaram para sempre.
Choca-me o imenso relevo de notícia dado ao caso escabroso e extremo, com todos os pormenores, em pretérito do esquecimento de uma vida de brilho e esforço pela cultura.
Carlos Pinto Coelho, meu irmão sem glória, tiveste o enterro discreto, sem tubas nem cornetins, apenas com as palavras dos que te foram amigos e sempre te admiraram.
Não sei o que move agora tanto os abutres da notícia, senão o sórdido, a violência, os detalhes cuidadosos da agressão.
Mas sei que as exéquias televisivas e revisteiras sobre o Carlos Castro chocam-me por excesso continuado.
A cultura da atracção, ao que parece, vence, e de longe, a atracção pela Cultura.
Lamento por um país distorcido nos valores, sinceramente.
Está visto. O insólito, bombástico, escabroso e chocante, isso sim, cativa atenção e vende noticia.
Nem o país falido. Nem eleições. Nem os Bancos, nem FMI.
Nem uma vida inteira a lutar pela elevação e dignidade, pela Arte e pela Estética do viver, pelos valores mais altos do homem e da Cultura.
Nada disso se sobrepõe ao escândalo de comadres carpideiras numa fraca jornada de propaganda turística ao nosso país e seus costumes.
Carlos Pinto Coelho, ficas a saber que tudo o que fizeste numa vida inteira é, afinal, desprezível, prescreve em duas semanas e revela-se, no fundo, pouco importante.
Estamos ao nível do saca-rolhas. Do fado de faca-e-alguidar.

Fui muito mais próximo e, posso dizer, amigo íntimo do Carlos Pinto Coelho.
Doeu muito a sua partida e vai fazer-me falta ainda e por muito tempo, todos os dias.
Mas, neste momento, a minha memória vai para ambos.
E sinto revolta em nome da justeza de valores e do pudor.
E sinto revolta em nome da decência na informação.
Acabem com a tourada.
O folclore de escárnio, opiniões de pacotilha, detalhes escabrosos e a inusitada sobrerelevância de todo o episódio ocorrido, já cheira a peça da Broadway de terceira categoria, adaptada pelo jornal o crime lá do sítio.
E pelo que conheci dele, das tantas vezes que falamos, e também em nome da sua própria paz e dignidade, suponho que até a ele próprio, Carlos Castro, mesmo sendo um homem do social, desagradaria toda esta prolongada histeria sem sentido.

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4 Comments:

Blogger Bartolomeu said...

Nunca dei importância ao Castro... pela simples razão de não apreciar quem emite publicamente opiniões negativas acerca do desempenho dos outros e sobretudo, acerca da forma como se vestem, como se penteiam, ou dos lugares que frequentam.
Se o senhor era detentor de um poder que lhe permitia "facilitar" a entrada de alguém no "mundo" da moda, ou do espectáculo, e se o exercia segundo os seus critérios selectivos, fossem eles quais fossem... ainda vá, cum raio. Mas, se utilizando esse poder, influênciava ou motivava, a queda daqueles que por um motivo que só ele conhecia não lhe assentavam no goto... nãã, aí já estava a galgar margens que conteem este rio turbulento que é o social e a invadir as lezírias do privado.
Numa outra dimensão totalmente oposta, encontrava-se Carlos Pinto Coelho, mas, tal como refere Pedro Barroso... era "só" um homem de cultura, empenhado em divulgar aquilo que pode fazer uma sociedade tornar-se consciente de si mesma, da sua civilidade e do seu progresso.
Pfhhh...
Isso alguma vez, faz vender revistas e preencher noticiários?»!
Se o fizesse, não teria o Carlos Pinto Coelho, de ser tão perseverante e lutador, bastar-lhe-ia ter sido divulgador, veiculador.

16 de janeiro de 2011 às 11:53  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

NOTA: O texto inicialmente afixado foi substituído por outro, enviado pelo autor.

16 de janeiro de 2011 às 13:13  
Blogger GMaciel said...

Até hoje evitei comentar este assunto por dois motivos: primeiro porque, para mim, não merece mais do que os primeiros segundos de notícia, segundo porque manda a hipocrisia que não se fale mal dum morto.

Lamento, isto sou eu!

16 de janeiro de 2011 às 14:36  
Blogger José Leite said...

Nojo, náusea, necrolatria macabra...

16 de janeiro de 2011 às 18:15  

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