14.5.11

Os pelos púbicos

Por Antunes Ferreira

O SENHOR Doutor Sousa Rebelo é uma pessoa importante. Importante? Importantíssimo. É subdirector-geral de um Ministério muito importante, é professor em part-time de uma universidade muito importante, é um dirigente de um partido igualmente muito importante. Tem tudo para justificar a importância que assume. O que, aliás, nem é preciso, pessoas importantes não necessitam de o afirmar. Os outros sim, os outros é que o devem reconhecer e isso é que é importante.
O Adalberto Martins, por seu turno, não é uma pessoa importante. É um simples trabalhador da Função Pública, nem sequer chegou ainda a chefe de secção, mas tem esperanças de, não frequenta as Novas Oportunidades, é sócio do Benfica e pertence à mesma cor política do seu subdirector-geral. Respeitador, solícito, nunca fez uma só greve decretada pelos sindicatos, uns madraços, não querem mais nada.
A cena decorre no gabinete do Senhor Doutor Sousa Rebelo, com o subordinado, certamente pela primeira e última vez protagonista, a abrir o acto. O Senhor Doutor já viu o que as más-línguas andam a dizer do Senhor Professor Catroga? Um desaforo, Senhor Doutor, um ataque ignóbil, uma conjura maquiavélica. Diga lá, Martins, diga lá que eu ando um tanto afastado dessas questões.
Pois veja o Senhor Doutor – ou Senhor Professor, que também o é – que afirmam sem receio de desmentidos que o Senhor Doutor Catroga, que até já foi ministro e muito bem, e estou certo que voltará a sê-lo quando ganharmos as eleições, disse palavrões na televisão. Palavrões, melhor dizendo calão; que é o que mais se usa por aí. Mas, os mentirosos são mais que as mães e de tanto repetirem as mentiras, estas ainda se podem tornar verdades, louvado seja Deus. O Martins, além de exemplar chefe de família, também é católico praticante.
O Mundo está roto, Senhor Doutor, o Mundo está roto. Perdeu-se a vergonha, perdeu-se a ordem, perdeu-se a obediência, perdeu-se o decoro, perdeu-se a lealdade, perderam-se os bons costumes; assim andamos. E depois admiram-se com a vinda do FMI e dos outros. A troika, Martins, a troika. Essa mesma, Senhor Doutor, essa mesma. E os malandros que nos fizeram chegar a estas vergonhas ainda se dão ao luxo de bradar que os culpados fomos nós.
Deixe lá, Martins, vão levá-las todas no dia 5 do mês que vem. Só se perderão as que caírem pelo chão. Mas, aqui para nós que ninguém nos ouve, que dizem esses miseráveis boateiros? Que eu não ando muito ao corrente disso… Diga lá então, diga lá para eu também ficar a saber.
O Martins, sussurrando: que o Senhor Doutor Catroga numa entrevista à SIC disse que os dirigentes políticos, ele parece que não é, em vez de se preocuparem com as grandes questões, dedicam-se a discutir minudências. E então, que mal há na palavra, ó Martins? Bem, Senhor Doutor, ele é assim, entusiasta das boas causas. O que ele queria era referir-me aos amendoins. Aos quê? Aos pinâtes, Senhor Doutor, às insignificâncias, às ninharias. Se me permite, aos pelos púbicos…
Ah, já entendi, aos pentelhos. Não se amofine; não tem importância, vai tudo correr bem. E, entre dentes, não fosse o Martins ouvir, o Nogueira Leite é que já se safou. E com um Ministério em que até foi secretário de Estado do Pina Moura…

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