Eles andam por aí...
Por Baptista-Bastos
NUNCA FOMOS muito felizes. E, se o fomos, fomo-lo tão depressa que nem demos por isso. Nos nossos ombros temos o peso da superstição; da ignorância; do temor reverencial por aqueles que julgamos acima de nós; de três séculos de Inquisição e de cinquenta anos de fascismo. "Pátria madrasta, país padrasto", sintetizou, talvez melhor do que ninguém, o grande João de Barros, o de "As Décadas" e dos "Panegíricos". E muitos outros (leia-se Camões, por exemplo, ou o tão deliberadamente esquecido Bocage) não ocultaram as palavras para causticar as insalváveis velhacarias dos "donos de Portugal".
Falo, propositadamente, n' Os Donos de Portugal, um livro de Jorge Costa, Luís Fazenda, Cecília Honório, Francisco Louçã e Fernando Rosas, há meses editado pela Afrontamento, cujas revelações são tão surpreendentes que explicam o silêncio estremecido da nossa imprensa. Em cem anos de poder económico, meia dúzia de famílias, que se cruzaram e entrecruzaram através de laços matrimoniais, forçados pelas estratégias do mando e do poder, continua esse edifício de ambivalências e contradições transformadoras de uma nação numa sociedade em comandita.
Quando Passos Coelho fala do medo instalado na sociedade portuguesa, devia aclarar as origens desse medo. E quando Sócrates insiste em que é socialista, a boca devia encher-se-lhe de areia, como na parábola bíblica. Há algo de marginalidade e de despudor no discurso que enche as televisões, as rádios e os jornais. Uma leitura, mesmo apressada, induz-nos a perceber que, na generalidade, essa retórica é não só abstrusa, por ignorante, como conduz a posições potencialmente perigosas.
Enquanto Sócrates é uma combinação de grotesco, no qual o desvario inventa o seu próprio infinito, Passos Coelho é um homem perigoso pelo que afirma e, sobretudo, por aquilo que involuntariamente dissimula. Com as ameaças que faz de "mudar" tudo, inclusive o que não é necessário alterar, demonstra uma inconsciência muito próxima do furor incontrolável de quem acaba por revelar as suas dualidades. Passos não é perigoso porque o queira ser, haja Freud!, é-o porque não sabe que o é. E Sócrates prossegue na doida cruzada de omissões e de fabulações intermináveis: um ser que confunde paixão com insanidade. É ou não é de ter medo do estranho destino que nos ensombra, com qualquer destes dois a mandar? A mandar, é como quem diz, bem entendido. A mandar aquilo que os outros mandam.
O carácter relacional do poder está a modificar muitos dos valores e dos princípios que formaram o carácter dos homens e dos povos. A servidão, engendrada por diversos regimes e sistemas, está a fazer o seu caminho pausado e eficaz. Nada do que foi será. E o que será pode muito bem suportar um tirano a posar de democrata.
«DN» de 1 Jun 11NUNCA FOMOS muito felizes. E, se o fomos, fomo-lo tão depressa que nem demos por isso. Nos nossos ombros temos o peso da superstição; da ignorância; do temor reverencial por aqueles que julgamos acima de nós; de três séculos de Inquisição e de cinquenta anos de fascismo. "Pátria madrasta, país padrasto", sintetizou, talvez melhor do que ninguém, o grande João de Barros, o de "As Décadas" e dos "Panegíricos". E muitos outros (leia-se Camões, por exemplo, ou o tão deliberadamente esquecido Bocage) não ocultaram as palavras para causticar as insalváveis velhacarias dos "donos de Portugal".
Falo, propositadamente, n' Os Donos de Portugal, um livro de Jorge Costa, Luís Fazenda, Cecília Honório, Francisco Louçã e Fernando Rosas, há meses editado pela Afrontamento, cujas revelações são tão surpreendentes que explicam o silêncio estremecido da nossa imprensa. Em cem anos de poder económico, meia dúzia de famílias, que se cruzaram e entrecruzaram através de laços matrimoniais, forçados pelas estratégias do mando e do poder, continua esse edifício de ambivalências e contradições transformadoras de uma nação numa sociedade em comandita.
Quando Passos Coelho fala do medo instalado na sociedade portuguesa, devia aclarar as origens desse medo. E quando Sócrates insiste em que é socialista, a boca devia encher-se-lhe de areia, como na parábola bíblica. Há algo de marginalidade e de despudor no discurso que enche as televisões, as rádios e os jornais. Uma leitura, mesmo apressada, induz-nos a perceber que, na generalidade, essa retórica é não só abstrusa, por ignorante, como conduz a posições potencialmente perigosas.
Enquanto Sócrates é uma combinação de grotesco, no qual o desvario inventa o seu próprio infinito, Passos Coelho é um homem perigoso pelo que afirma e, sobretudo, por aquilo que involuntariamente dissimula. Com as ameaças que faz de "mudar" tudo, inclusive o que não é necessário alterar, demonstra uma inconsciência muito próxima do furor incontrolável de quem acaba por revelar as suas dualidades. Passos não é perigoso porque o queira ser, haja Freud!, é-o porque não sabe que o é. E Sócrates prossegue na doida cruzada de omissões e de fabulações intermináveis: um ser que confunde paixão com insanidade. É ou não é de ter medo do estranho destino que nos ensombra, com qualquer destes dois a mandar? A mandar, é como quem diz, bem entendido. A mandar aquilo que os outros mandam.
O carácter relacional do poder está a modificar muitos dos valores e dos princípios que formaram o carácter dos homens e dos povos. A servidão, engendrada por diversos regimes e sistemas, está a fazer o seu caminho pausado e eficaz. Nada do que foi será. E o que será pode muito bem suportar um tirano a posar de democrata.
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1 Comments:
Tudo certo. Parece-me.
Seja-me, porém, permitido o acrescento:
Se há os "donos de Portugal", porque os há, com sempre (os) houve, há também os que gostam de ter dono. E são muitos. E é quase um povo...
E não, em minha opinião, não é por hábito ou "tradição", é mais por constituição medular, talvez natureza intrínseca...
E o que eu gostava que me demonstrassem, sobretudo, o que eu gostava que a realidade me demonstrasse, que esta minha ideia está errada!
Eu próprio tenho tentado convencer-me. Mas... faltam-me os argumentos.
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