7.2.12

A Impressão Digital: a RTP

Por Maria Filomena Mónica

AFINAL, já não vou comprar a RTP. Os amigos ricos desapareceram, descobri que as instituições mudam pouco e as portuguesas quase nada e não sei dizer em que consiste um serviço público. O conceito assemelha-se ao do velho comunismo: em teoria, toda a gente sabia o que era, mas, quando se passava à realidade, surgiam reticências. Muita gente defendeu que o comunismo era bom, uma afirmação seguida da advertência de que o ideal não correspondia ao que se praticava na URSS. A queda do Muro de Berlim pôs fim às ilusões.

O paralelismo entre o comunismo e o serviço público termina aqui. Se nunca observei o comunismo em acção – excepto na RDA – tive o privilégio de assistir a um serviço público de televisão. Mais do que a Universidade de Oxford é à BBC dos anos 1970 - com entrevistadores como Robin Day e Ludovic Kennedy – que devo o que sou. Ver, no ecrã, jornalistas a falar, de igual para igual, com políticos foi uma educação. Provindos dos mesmos estratos sociais, aqueles não temiam fazer perguntas inconvenientes aos poderosos. É verdade que, a partir dos anos 1980, a sua qualidade diminuiu, mas a BBC ainda hoje é amada. Mais do que pelas suas reportagens sobre a vida animal, David Attenborough deve ser recordado como o homem que, em 1969, encomendou três dos melhores programas jamais feitos, Civilisation, The Ascent of Man e The Monty Python.

Diz o povo que quem vê caras não vê corações. É falso. Vale a pena reparar nos rostos de Guilherme Costa e no de Mark Thompson ou, para um período anterior, nos de Ramiro Valadão e de Hugh Green para nos apercebermos do que separa a RTP da BBC. Esta nasceu em 1936, tendo à sua frente Lord Reith, um independente que estabeleceu a regra de que a televisão deveria «informar, educar e distrair». A RTP foi para o ar em 1957, tendo como Presidente Camilo de Mendonça, um homem intimamente ligado ao regime salazarista. Depois da Revolução, poderia ter mudado, mas não o fez.

O único argumento a favor da existência de uma televisão pública é a de que ela contribui para elevar o nível cultural, mas isso jamais acontecerá enquanto a forma de selecção das administrações for a que existe. Infelizmente, a impressão digital manteve-se. Veja-se o que sucedeu com o «Prós e Contras», transmitido de Angola, e com o posterior saneamento do jornalista Pedro Rosa Mendes. Em Portugal, o Estado manda em tudo: estranho seria que a televisão ficasse de fora.

Perguntar-me-ão se defendo um mundo em que apenas existam televisões privadas. O meu amigo António Pedro Vasconcelos pode ficar descansado. Não é um cenário que me atraia. Porque sei que a indiferença em relação à forma como o povo se diverte é a marca de uma sociedade decadente. Para Gibbon, o declínio do Império Romano começou quando os Imperadores cederam aos instintos da plebe, permitindo a organização, no Coliseu, de espectáculos nos quais os gladiadores lutavam até à morte. Criticar a RTP não é o mesmo que defender o Big Brother.
«Expresso» de 4 Fev 12

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3 Comments:

Blogger Tétisq said...

Eu se pudesse contribuía com uns trocos, mas estou sem tostão...penso que a verdadeira discussão sobre o que é serviço público ainda não teve lugar, a ter existido poderia ter evitado muito desperdício e contribuído para uma maior formação cívica e cultural...mas provavelmente interessa a alguém que as coisas permaneçam assim.*

7 de fevereiro de 2012 às 15:26  
Blogger José Batista said...

Um dia, um crítico de televisão muito rigoroso, embora nem sempre imparcial, que usava as palavras como lâminas, num estilo linguístico impecável, chamou à RTP não um canal, mas um "caneiro".
E a nossa televisão dita pública, especialmente o canal 1, tem sido um esgoto pelas casas dentro.
Um "caneiro", realmente.

Ah, o tal crítico chamava-se Mário Castrim.

7 de fevereiro de 2012 às 21:40  
Blogger Laura Cachupa Ferreira said...

Zé Batista
O Mário Castrim também seria amigo, pobre, da Mónica?

8 de fevereiro de 2012 às 13:12  

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