Pinceladas e desencontros

Por Ferreira Fernandes

UM HOMEM e uma mulher encontraram-se numas férias e apaixonaram-se. Por razões que não cabem aqui, só sabiam um do outro que eram de Paris. Ao regressar, combinaram: os dois iam pensar durante uma semana se valia a pena continuar e, se sim, encontrar-se-iam no dia X, às tantas horas, no XIV bairro de Paris, no café Gioconda. "Sim, meu amor?", perguntou ele. "Sim, meu amor", concordou ela.
No tal dia, à hora combinada, no XIV bairro de Paris, lá estava ele no café Gioconda. Esperou, esperou, até se convencer que ela decidira acabar tudo. Ele foi-se embora, e nunca mais se encontraram. Porém, no dia combinado, à hora certa, no XIV bairro de Paris, ela esteve no café... Mona Lisa.
Esta semana, soube-se que no Museu do Prado, em Madrid, se encontrou um quadro, réplica perfeita da Gioconda (ou Mona Lisa) que está no Louvre, e que foi pintado ao mesmo tempo. O autor é Francesco Melzi, um dos dois discípulos e amantes de Da Vinci. Melzi é Melzi, não é um grande, mas esta descoberta no Prado é fundamental. Os pentimenti, pinceladas que o mestre dava e se arrependia, repetem-se no quadro de Melzi.
Mas esta dupla Mona Lisa, ou dupla Gioconda, interessa também por mais uma confusão de amor. Quando Da Vinci morreu, apesar de viver com Melzi, deixou a sua Gioconda a Giacomo Salai, o outro seu discípulo e amante. Por isso é prudente não juntar numa mesma exposição as Gioconda do Louvre e do Prado. Podiam arranhar-se as duas.

«DN» de 4 Fev 12