14.3.12

Chuva de graça

Por João Paulo Guerra

QUANDO mais de 30 por cento do Continente está em seca extrema, o volume de água desceu em 11 bacias hidrográficas e o preço da palha aumentou 20 por cento, o bispo de Beja vem lamentar que os agricultores portugueses tenham mais fé nos milhões dos subsídios de Bruxelas, descurando as orações pelo fim da seca.

Isto é daquelas intervenções com alguns laivos de imprudência. Na verdade, em matéria de seca e de palha o rebanho parece saber muito mais que o pastor. E, muito provavelmente, pedir chuva não serviu de nada em anteriores situações de seca. Enquanto de Bruxelas sempre pingaram alguns trocos. Assim se passam as coisas entre o bom Deus e o diabo.

Jean Paul Sartre, num drama dos anos 50 do século passado, versa a natureza humana, mais o bem e o mal. A peça desenrola-se na Alemanha, século XVI, durante uma revolta de camponeses contra a Igreja. O confronto passa-se entre dois meios irmãos e, de massacre em massacre, de traição em traição, o revoltado acaba por distribuir as suas terras aos camponeses e retirar-se com a sua amada, Hilda, para a floresta, onde passa a viver como um eremita e profeta da não violência e do martírio. Mais palpitante ainda é o final: quando o irmão o confronta, o eremita diz-lhe que Deus morreu e que o homem está só.

E que pode então fazer um homem se lhe secam as terras e o gado se alimenta de palha com IVA a 23 por cento? Rezar ao bom Deus ou pedir uns maravedis ao diabo? Ou vá lá que seja a Bruxelas? Quem lhe acode, com mais ou menos juros ou mais ou menos graça? Sugere o bispo de Beja que se reze a Deus, nem que seja o da Constituição europeia, à Virgem Maria ou a São Pedro a implorar a graça da chuva. O mal de tudo isto é que o bispo nunca terá lido Sartre.
«DE» de 14 Mar 12

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