24.5.12

O brasileiro e o seu Pessoa

Por Ferreira Fernandes
A MÁQUINA de escrever Royal e a escrivaninha de tampo de correr não foram as parceiras de Fernando Pessoa na poesia. Foram usadas talvez mais para ele escrever cartas comerciais, pois pertenciam a uma das últimas empresas onde Pessoa trabalhou, a Sociedade Portuguesa de Explosivos, no Largo do Corpo Santo, com nesgas do Tejo. 
O brasileiro João Paulo Cavalcanti Filho, que, há semanas, veio a Lisboa lançar o seu livro Fernando Pessoa: Uma quase Autobiografia, pagou uma fortuna (mais de 90 mil euros) por aquelas máquina de escrever e mesa de trabalho usadas pelo empregado de escritório Pessoa e que ontem foram a leilão em Lisboa. Com algum desdém dos nossos literatos mais puristas, Cavalcanti Filho dedicara o seu livro mais ao homem (onde Pessoa mandava fazer, e não pagava, os fatos e quanto usava de dioptrias...) e às pessoas do seu pequeno mundo do que à obra genial. Mais, o brasileiro revelou que muitas personagens dos versos existiram mesmo, encontrou-lhes nomes e vidas. Assim, de A Tabacaria, ele diz-nos quem foi a pequena que comia chocolates, quem era a lavadeira, o dono da tabacaria e o Esteves. Agora, comprando objetos mais do empregado de escritório do que do poeta, Cavalcanti Filho sublinha a coerência da sua paixão. 
Haverá quem pense que é desperdício tanta dedicação à pequena história do escriturário Fernando Pessoa perante a grandeza dos seus versos. Esses esquecem-se deste verso: "Come chocolates, pequena." 
«DN» de 24 Mai 12

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