Portugal faz falta a quem?
Por Baptista-Bastos
"PORTUGAL faz-me falta." É uma frase comovente e bela pela sua clara
genuinidade. Proferiu-a um professor de Música, de nome Fernando
(desculpem, não fixei o apelido), há vinte e sete anos imigrado na
Suíça. Ouvi-a anteontem, no programa Opinião Pública, primeira edição,
SIC-Notícias. "Se as condições em Portugal fossem outras, ia para lá
hoje mesmo." Não são: são piores. E Fernando vai ficar, iluminando a
tristeza dos nossos males, que alguns banalizam, inculcando-nos a tese
de que são históricos e inevitáveis.
Não creio que Passos Coelho
ou Miguel Relvas (agora enredado em novas encrencas), paladinos
infatigáveis de mandar portugueses para fora do País, tivessem
conhecimento deste desabafo d'alma. São criaturas de recursos curtos e
insistentes, resultantes dessa simbiose milagrosa e casual que tem
transformado a mediocridade num desaforo e a ignorância numa
carta-de-guia.
Este Fernando precisa de Portugal porque sim. A
sensação confusa e dorida que nos prende "a esta nesga de terra /
debruada de mar" [Torga] - e que designamos de saudade, à falta de
melhor explicação, faz parte da nossa retórica sentimental. Essa emoção
já me tocou no batente quando vivi na Grécia e no Brasil. Estamos lá sem
nunca deixarmos de estar aqui: é mais uma forma abstracta de ser, e uma
fragilidade propícia a servidões momentâneas. Uma coisa fora do tempo,
um pouco reaccionária e acaso tonta, cujo aproveitamento, ao longo da
história das nossas tiranias, tem feito mossa à colectiva maioridade de
que necessitamos.
"Portugal faz-me falta." A grandeza emocionada
desta confissão confronta-se com a pequenez insultuosa daqueles dois
nomeados. "Agora, Estar", escreveu o poeta Pedro Tamen, um dos mais
belos livros sobre o Portugal liberto, repleto de uma autenticidade que
não tardou em empalidecer. Os senhores da força sem razão remeteram para
a ruína anónima aqueles aos quais Portugal fazia falta e que
ambicionavam estar, apenas para ser. Passos Coelho e Miguel Relvas são
parte dessa herança espúria. Levam a sua capacidade paradoxal ao ponto
de nos indicarem a fronteira, por incapacidade de nos reter aqui. 815
portugueses por dia perderam o emprego no primeiro trimestre deste ano. A
pátria despovoa-se dos seus jovens e o número de suicídios cresce. Os
velhos são um embaraço improdutivo para este Governo que, além de
desempregar pessoas, desempregou a generosidade e a compaixão.
Podemos
viver nesta aridez de espírito, neste caucionar da agressão sem
limites, neste vazio e neste coração oco, ostensivo, incoerente e fatal?
A pergunta ainda não saiu dos círculos concêntricos das nossas
inquietações quotidianas. Vamo-nos animando com os escândalos diários, e
remetemos, para os fojos, a preparação de novos conceitos e de novas
resistências.
Agora, ir?
.Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico
-
«DN» de 23 Mai 12
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