O mar
Por Maria Filomena Mónica
ESTOU na Horta,
olhando, pela primeira vez, o Pico coberto de neve. Desde que, em 1988, vim aos
Açores, estas ilhas sempre me fascinaram. Desta vez, foi o III Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt que aqui me trouxe e, por isso, deveria estar no
quarto a acabar de preparar a minha comunicação. Em vez disso, optei por sair. Depois
de ter dado um passeio na R. das Angústias - a toponímia açoriana é fantástica
- sentei-me junto à doca, mais uma vez recordando as linhas de W. H. Auden sobre
a Islândia, uma ilha que visitara na
companhia do seu amigo L. MacNiece: «This
is an island and therefore/Unreal». É isto que sinto.
Nasci em Lisboa,
quase defronte do Oceano Atlântico. Em criança, todos os dias ia à Baixa com a
minha mãe, tendo o Tejo como pano de fundo e, mais adiante, o mar que banhava a
praia, Cascais, onde a minha família passava os Verões. A serração de madeiras
que o meu pai herdou também estava ligada ao mar. O negócio começara nos finais
de Oitocentos, quando o meu avô, oriundo de uma zona florestal - Ferreira do
Zêzere - decidiu vender em Lisboa as aduelas de castanho com que eram
fabricados os tonéis de vinho que se exportavam para África. Quando o meu avô
morreu, o meu pai começou a exportar madeira de pinho para Inglaterra, onde as
tábuas eram utilizadas para fazer as caixas dentro das quais o peixe de Hull
chegava ao mercado.
O mar nunca mais
me abandonou. Na casa que aluguei depois de casada, as janelas do meu quarto, e
as da casa de jantar também, davam, por sobre umas casas baixas, para o rio,
como para o rio dava o último andar do Ministério da Saúde, onde, aos 20 anos,
ganhei o meu primeiro salário. Ainda hoje, quando deambulo pelo meu bairro, é o
Tejo que vejo, particularmente belo quando estamos no cimo da R. de S. João da
Mata. As cidades que aprecio – Lisboa, Istambul, Veneza, Londres, S.
Petersburgo – são todas marítimas. Mas uma coisa são cidades à beira mar, outra
pedaços de terra rodeados de mar por todos os lados.
É fácil esquecer
que foi a Geografia que determinou que Portugal tenha surgido no extremo
ocidental de um território isolado da Europa pelos Pirinéus. Durante séculos,
os portugueses só tiveram duas escolhas, o mar ou o isolamento. Isto, que foi claro
até há quatro décadas, esfumou-se, a partir do momento em que as auto-estradas,
financiadas pelos fundos europeus, e o tráfico aéreo, facilitado pelas
companhias low cost, deram a
possibilidade de ir a Paris por umas dezenas de euros.
Há muito, muito,
tempo, o mar foi quase nosso. Deve ser por isso que a primeira estrofe do hino
do meu país fala de nós como «heróis do mar». Infelizmente, nos últimos anos,
perdemos a noção de que o mar é bom, não só para a pesca, mas para a ligação
com o que agora se designa o Resto do Mundo. Mas foi por termos embarcado para tão
longínquas paragens que conseguimos ver tão diversos céus e tão diversas
terras.
«Expresso» de 5
Mai 12
Etiquetas: FM
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home