8.5.12

O mar

Por Maria Filomena Mónica
ESTOU na Horta, olhando, pela primeira vez, o Pico coberto de neve. Desde que, em 1988, vim aos Açores, estas ilhas sempre me fascinaram. Desta vez, foi o III Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt que aqui me trouxe e, por isso, deveria estar no quarto a acabar de preparar a minha comunicação. Em vez disso, optei por sair. Depois de ter dado um passeio na R. das Angústias - a toponímia açoriana é fantástica - sentei-me junto à doca, mais uma vez recordando as linhas de W. H. Auden sobre a Islândia, uma ilha que  visitara na companhia do seu amigo L. MacNiece: «This is an island and therefore/Unreal». É isto que sinto.
Nasci em Lisboa, quase defronte do Oceano Atlântico. Em criança, todos os dias ia à Baixa com a minha mãe, tendo o Tejo como pano de fundo e, mais adiante, o mar que banhava a praia, Cascais, onde a minha família passava os Verões. A serração de madeiras que o meu pai herdou também estava ligada ao mar. O negócio começara nos finais de Oitocentos, quando o meu avô, oriundo de uma zona florestal - Ferreira do Zêzere - decidiu vender em Lisboa as aduelas de castanho com que eram fabricados os tonéis de vinho que se exportavam para África. Quando o meu avô morreu, o meu pai começou a exportar madeira de pinho para Inglaterra, onde as tábuas eram utilizadas para fazer as caixas dentro das quais o peixe de Hull chegava ao mercado.
O mar nunca mais me abandonou. Na casa que aluguei depois de casada, as janelas do meu quarto, e as da casa de jantar também, davam, por sobre umas casas baixas, para o rio, como para o rio dava o último andar do Ministério da Saúde, onde, aos 20 anos, ganhei o meu primeiro salário. Ainda hoje, quando deambulo pelo meu bairro, é o Tejo que vejo, particularmente belo quando estamos no cimo da R. de S. João da Mata. As cidades que aprecio – Lisboa, Istambul, Veneza, Londres, S. Petersburgo – são todas marítimas. Mas uma coisa são cidades à beira mar, outra pedaços de terra rodeados de mar por todos os lados.
É fácil esquecer que foi a Geografia que determinou que Portugal tenha surgido no extremo ocidental de um território isolado da Europa pelos Pirinéus. Durante séculos, os portugueses só tiveram duas escolhas, o mar ou o isolamento. Isto, que foi claro até há quatro décadas, esfumou-se, a partir do momento em que as auto-estradas, financiadas pelos fundos europeus, e o tráfico aéreo, facilitado pelas companhias low cost, deram a possibilidade de ir a Paris por umas dezenas de euros.
Há muito, muito, tempo, o mar foi quase nosso. Deve ser por isso que a primeira estrofe do hino do meu país fala de nós como «heróis do mar». Infelizmente, nos últimos anos, perdemos a noção de que o mar é bom, não só para a pesca, mas para a ligação com o que agora se designa o Resto do Mundo. Mas foi por termos embarcado para tão longínquas paragens que conseguimos ver tão diversos céus e tão diversas terras.
«Expresso» de 5 Mai 12

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