Miséria moral
Por Baptista-Bastos
O DR. ANTÓNIO Borges é um senhor de meia idade, cabelos ruivos e ralos,
carregado de currículo, de patronímicos virtuosos e de tarefas
cintilantes. Onde há funções que exijam perícia e frieza, lá está ele a
preenchê-las com zelo e vultosas compensações. Em matéria de números,
estratégias de lucro, prospectivas financeiras, mercados e juros, o dr.
Borges sabe-a toda. Um jornalista de Le Monde, que o estudou, fala de
mistério e de oclusão, num livro que está aí, cujo título, O Banco -
Como o Goldman Sachs Dirige o Mundo, e cujo conteúdo é demasiado
perturbador para que o ignoremos.
Sobre todos estes tranquilos
predicados, o dr. Borges é cristão, formal e brunido, conselheiro do
Governo para as privatizações, dedicando-se, claro!, a outros biscates.
Em 2011 arrecadou 225 mil euros, fora o que escorre, isentos de
impostos. Pois o dr., em declarações a um jornal, foi veemente e
irretorquível, na defesa da redução de ordenados. Disse, entre outras
pérolas cristãs e compassivas: "A diminuição de salários, em Portugal,
não é uma política, é uma urgência e uma emergência." Apesar da "miséria
moral" em que vivemos [Francisco Pinto Balsemão dixit], as ditosas
frases não caíram no vazio. Um vendaval de protestos e de indignações
cobriu-o e à desvergonha das afirmações. O coro estendeu-se. A bojarda
foi execrada por gente do PSD e do CDS, não muita, diga-se de passagem,
mesmo assim...
Sorridente e na aparência são, o dr. Pedro Passos
Coelho apoiou, com límpido silêncio, as declarações do dr. Borges.
Loquaz foi, isso sim, com os procônsules da troika que, entre outras
exigências, prescrevem o afastamento dos sindicatos de negociações e uma
maior flexibilização das leis do trabalho. Dias antes, no jantar do
Conselho Europeu, o governante português, "contrariando Monti, Hollande,
Rajoy, Juncker, o FMI e a OCDE, entre muitos outros líderes e
instituições, apoiou Angela Merkel contra as euro-obrigações", escreveu
(DN, 25 de Maio, pp) o prof. Viriato Soromenho-Marques. Este, com a
habitual lucidez, acrescentou: "O escândalo racional da chanceler alemã
é, assim, apoiado pelo mistério irracional do comportamento do
primeiro-ministro português. A lógica da subserviência tem, na decência,
o seu limite moral, e no interesse nacional o seu absoluto limite
político. Passos está a rasgar todos os limites."
A situação não
é, apenas, política; é, também, moral, como diz o articulista. A
história, para muitos de nós, continua a ser uma memória de facínoras,
com as linhas de sustentabilidade mantidas por vastos interesses e por
jornalistas e comentadores estipendiados. A comunicação de sentido, ao
público, é propositadamente ambígua, a fim de salvar as aparências. Esta
gente que dirige o País não se recomenda pela decência e pela
integridade. É uma "miséria moral".
«DN» de 6 Jun 12 Etiquetas: BB
1 Comments:
Mais um artigo que li hoje no DN, jornal onde o ministro Relvas ainda não ameaçou jornalistas.
Tem a qualidade a que B-B habituou os leitores seja no Jornal do Fundão, no DN ou em qualquer outro órgão em que escreva.
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