3.6.12

Como perder um país

Por Rui Tavares
CONSIDEREM-SE três notícias recentes:
Um tribunal ordenou que o movimento Precários Inflexíveis apagasse, no seu blogue, comentários que denunciavam práticas ilegais de recrutamento e utilização de mão-de-obra porque a empresa em questão se sentiu “atingida na sua honra”. O tribunal não quis averiguar se os factos relatados por pessoas que diziam ter sido vigarizadas por esta empresa eram reais ou não. Na prática, considerou que a “honra” de uma empresa merecia mais proteção do que as denúncias das vítimas dessa empresa.
O Tribunal da Relação de Lisboa condenou o advogado Ricardo Sá Fernandes por este ter gravado e denunciado uma tentativa de corrupção e ter colaborado com as autoridades na investigação da mesma, dando assim mais proteção ao corruptor do que à descoberta da verdade. Na prática, a mensagem é: se souber de alguma tentativa de corrupção, não a denuncie nem colabore com as autoridades.
Para terminar, este fim-de-semana soubemos que um ex-diretor das secretas, agora no setor privado, mandou reunir um dossier sobre um competidor direto dos seus novos patrões, o empresário Francisco Pinto Balsemão, incluindo rumores sobre a sua vida privada. Há nesta notícia um certo “ar de família” com as ameaças de revelar na internet boatos sobre uma jornalista que, segundo este jornal, terão sido feitas pelo ex-ministro Miguel Relvas.
Ah, mil perdões — Miguel Relvas ainda não é ex-ministro? Lamentável lapso meu. Por momentos sonhei com outro Portugal.
Todo o português informado conhece estas três histórias. Importa é delas tirar o sentido, que julgo ser o seguinte: o jogo está neste momento tão viciado que a justiça se tornou numa simples ferramenta de execução e reforço das desigualdades.
Como consequência, campeia a impunidade. Empresas podem explorar a vulnerabilidade de jovens desempregados, cientes de que no momento preciso conseguirão calar as suas vítimas. Aos corruptores é dado todo o oxigénio para respirar, pois mesmo a um dos advogados mais experientes do nosso país será mantida a cabeça debaixo de água. E os interesses mais vis da política ou dos negócios, usando os canais de relações e informações que angariaram no estado, fervilham na carcaça em degradação daquela que foi uma galinha dos ovos de ouro, tentando arrancar-lhe os últimos pedaços de febra.
É preciso o primeiro ato de decência de demitir Relvas. Mas, para resolver isto, é preciso mais. É preciso abrir as janelas e deixar entrar o ar. Para que servem os serviços secretos? Se apenas para isto, extingam-se, pois fazem mais mal do que bem. Se para qualquer bondade até hoje incógnita, reformem-se, mas com claro escrutínio parlamentar, investigação independente e corpo de supervisão reforçado. Sejam reforçados também os poderes da Comissão Nacional de Proteção de Dados, para impedir que ex-agentes das secretas levem consigo bases de dados adquiridas na República. Quanto à justiça, mude-se a lei para que o uso corrente dos júris de cidadãos permita levar um pouco de vida real à cabeça de alguns juízes.
Já sabemos como se perde um país. Agora temos de descobrir como reconstruí-lo.
In RuiTavares.Net

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