Então e eu?
Por Manuel António Pina
À MEDIDA que vão surgindo na Imprensa notícias de relatórios,
encontrados em poder do ex-espião Jorge Silva Carvalho, sobre a vida
privada de jornalistas, sinto-me cada vez mais discriminado. Então e eu?
Será a minha vida privada tão desinteressante que, jornalista há 40
anos, os espiões do SIED e do SIS não têm nada a relatar sobre, como os
velhos informadores da PIDE, o meu "porte moral"?
É triste chegar quase aos 70 e ter a esquisita sensação de que a
minha vida é, afinal, um livro tão aberto (ou tão fechado) que nenhuma
"secreta" quer saber quem são os meus amigos e os meus inimigos; se
tenho família, dívidas, pensamentos, conta bancária, colesterol; se
continuo a receber pelo correio "folhas de jornais franceses"
(arquivadas na Pasta 10/1); se alguma coisa "consta em meu desabono,
moral e politicamente"; se serei "desafecto ao regime" ou, até,
"adversário do regime", ou então se não se conhecem as minhas
"verdadeiras tendências"; se minha mulher teve uma "rígida e exemplar
educação" e que foi feito da tal "doença cancerosa" que, segundo o bem
informado Relatório n.0º 202/72/SC da PIDE/DGS, lhe "teria surgido";
etc..
A minha esperança é que tudo isso seja Informação
Estratégica de Defesa e que, quando a Ongoing desvincular Silva Carvalho
do segredo de Estado, eu descubra que, como os outros, também tenho uma
vida merecedora de relatório com 16 páginas.
«JN» de 31 Mai 12Etiquetas: MAP
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