Está tudo por dizer
Por Baptista-Bastos
NO MESMO dia em que, num doce jardim de Singapura, o dr. Cavaco,
estremecendo de emoção, baptizava uma orquídea de "Simplesmente Maria",
nesse mesmo dia Portugal vivia entre a barafunda, a mentira, e a
omissão. Não há mal-entendidos nestas duas situações, só na aparência
dissemelhantes. É o país que temos, o Presidente que se arranja no seu
grandioso e fausto possidonismo, e a política de trazer pela trela que
tem transformado a nossa pobre terra num episódio desprotegido, grotesco
e insano.
O caso secretas-Relvas-Público e afins, que a
"comunicação social" tem tratado com valente energia e sólido nervo, são
comentados, pela população, sempre ávida de sacudir a nefasta
melancolia, com o mesmo primor que atribui à selecção de futebol. Há
algo de irracional nestas emoções. Mas essa irracionalidade
pertence-nos, quase em sistema de exclusividade. É o Portugalinho na
expressão mais ampla do nosso aparato cultural.
O que se sabe, no
primeiro caso, é o que a Imprensa diz: apenas a superfície do que se
esconde. E o que se esconde é muito mais amplo, muito mais caviloso,
muito mais absurdo e vil do que nos dizem. Pelo menos tudo o indica. O
que se deseja não é derrubar o Governo: é, apenas, amolgá-lo um pouco,
como aviso para o que não deve, ou deve fazer. Miguel Relvas, exuberante
por vaidade das funções exercidas, falador até ao cansaço, e incauto
até à medula, era um alvo fácil. Almoçou ou jantou com pessoal graúdo da
espionagem; recebeu mensagens no telemóvel porque o seu número estava
no rol de quem não devia estar; convivia com gente inquietante, como
sejam jornalistas. Por aí fora.
Enredado nesta teia reticular e
quase sufocado pela imodéstia, Relvas, que me parece ser apenas isto e
muito pouco mais, entalou Passos Coelho que, naturalmente, vai correr
com ele, ajeitando um pretexto qualquer, ostensivamente esquecido
algumas semanas depois. Um preopinante de voz grossa e gramática
fininha, disse que Passos devia o lugar a Relvas. Tolice. Relvas é uma
miniatura política, modelada pelas circunstâncias actuais da
mediocridade generalizada. E Passos o tal incidente à espera de
acontecer. Está ali para durar, tendo em vista a falta de atractivo e de
fibra de António José Seguro, notoriamente um líder de passagem.
Entretido
com as orquídeas, o dr. Cavaco nada disse, ou talvez ainda diga,
servindo-se das evasivas e dos anacronismos do costume. Perdão, disse.
Disse o que contraria as teses do Governo. Este, pelas vozes de Passos e
Relvas, aconselhou os jovens a ir para o estrangeiro; o dr. Cavaco
insistiu em que permaneçam em Portugal. Afinal, em que ficamos?
Nesta
jiga-joga de expressões, em que o Público não sai virtuoso e na qual
tudo é confuso, duvidoso e aleatório, vamos passando ao lado das lições
diárias da História. E tudo fica por dizer.
«DN» de 30 Mai 12 Etiquetas: BB
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