D. Januário e os outros
Por Manuel António Pina
QUE, como há 50 anos, um bispo tenha de novo erguido a voz, fazendo
"política" em vez de se remeter à sacristia, eis o escândalo que agita
hoje esta espécie de tempos democráticos e de liberdade de expressão em
que vivemos.
Também em 1958 a Igreja institucional se demarcou da carta do
bispo do Porto a Salazar. Revelaria mais tarde D. António que até "da
Cúria vaticana alguém [lhe] disse: "Bem sabemos que isso é doutrina da
Igreja; mas se, de um lado e de outro sabemos isso, para que estar a
pregá-lo?".
Em muitos aspectos, essa carta é hoje de novo
singularmente actual: voltaram à rua o "mendigo, o pé-descalço, o
maltrapilho, o farrapo (...), os subalimentados"; e o "financismo 'à
outrance'", o "economismo despótico", o "benefício dos grandes contra os
pequenos", o "ciclo da miséria" são outra vez "o centro da Nação".
Por
isso, mais actuais que nunca são também os versos de Sophia: "Porque os
outros se mascaram mas tu não/ Porque os outros usam a virtude/ Para
comprar o que não tem perdão./ Porque os outros têm medo mas tu não./
Porque os outros são os túmulos caiados/ Onde germina calada a
podridão./ Porque os outros se calam mas tu não./ Porque os outros se
compram e se vendem/ E os seus gestos dão sempre dividendo./ Porque os
outros são hábeis mas tu não./ Porque os outros vão à sombra dos
abrigos/ E tu vais de mãos dadas com os perigos./ Porque os outros
calculam mas tu não".
«JN» de 19 Jul 12 Etiquetas: MAP
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