Tudo isto é triste tudo isto é fado
Por Baptista-Bastos
UM CLAMOR indignado acolheu a frase de Pedro Passos Coelho: "As
eleições que se lixem!" Interpretações das mais desvairadas, ao correr
de quem as fez, transformaram uma anedota sem importância num relevante
facto político. Em outro local referi-me, levemente, ao episódio,
lembrando Natália Correia e, acaso, o que ela diria, numa gazetilha
sarcástica. Mas a pátria está soturna e toma como austeras as situações
mais insignificantes.
Os chefes políticos de todos os quadrantes,
que me parecem cada vez mais equivocados, logo se serviram da frase para
glosar os seus efeitos. Não criticaram Passos pela incompetência
agressiva, tornada evidente e perturbadora: cercaram-no por ter
utilizado uma metáfora invertebrada.
O Marcelo, sempre pugnaz,
admitiu que a culpa pertencia, por inteiro, aos assessores de imagem,
qualificando, indirectamente, Passos Coelho de imbecil, por dizer o que
outros querem que diga; e os adjuntos de inaptos, por teorizadores sem
atractivo, e obrigarem Passos Coelho a falar como um robô.
É
claro que ninguém vê Salazar, Craveiro Lopes ou Américo Tomas (que Deus
os tenha no seu eterno regaço) a proferir tal ou tais asserções; nem
mesmo Eanes, Sampaio ou Cavaco nestes despautérios. Soares será, talvez,
bem capaz; mas fá-lo e di-lo com a mesma naturalidade desenvolta com
que ao "gajo" aludia.
Nuns encontros de inteligentes com que,
sobretudo a SIC, nos brinda, em programas marcados pela leviandade ou
pelos erros históricos que os habituais preopinantes representam, a
frase de Passos tem sido alvo de chacota. À ausência de assunto
sobrepuja a risada, a futilidade, a cultura minimalista de revistas e
jornais na moda. O enfado, o tédio apossaram-se dessas criaturas,
reencarnações do Gouvarinho, do Palma Cavalão, do Acácio. No fundo, elas
mimetizam-se a si próprias, e são incapazes de reprovar ou satirizar o
sistema porque é o sistema que as produziu e alimenta. Quase todas já
serviram a dois amos, e saltam de partido e de convicção com a
celeridade da indecência e a indiferença dos oportunistas.
Tudo
isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado. Diz a letra, e
confirmam os actos. Passos Coelho tem nas mãos um brinquedo chamado
Portugal. Não foi tocado pelos benefícios da imaginação, nem pela graça
do talento: é um político medíocre, infenso a escutar os apelos da razão
e os impulsos da sensibilidade. Em seu amparo, talvez, a voz de tenor;
mais nada. O vazio desta triste mas perigosa existência poderia,
possivelmente, constituir motivo bastante para comentários demolidores,
porém pedagógicos. Nada disso acontece. O País está pobre porque ele
assim o quis e proporcionou pelo sofrimento e pela prepotência. Com
perdão da palavra, Pedro Passos Coelho não é uma questão política. É um
problema moral.
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)«DN» de 1 Ago 12
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