6.10.12

Todas as Famílias são Disfuncionais

Por Maria Filomena Mónica
NUNCA VOU a baptismos, casamentos e enterros. Se os pais, os nubentes ou o morto são ou foram católicos não me importo de participar nas cerimónias, mas, quando não é esse o caso, abstenho-me de lá pôr os pés. Se as pessoas gostam de rituais presididos por sacerdotes, devem ir à missa dominical, confessar-se ao menos uma vez por ano e acreditar no mistério da Transubstanciação. Vem isto a propósito de uma deslocação a Braga para uma festa baptismal. Quando cheguei ao local, a freguesia de Telões, notei ser a igrejinha antiga, pelo que não resisti a espreitar o interior. O edifício, do período tardo-românico, está totalmente adulterado: não só o interior – onde a coisa é mais escandalosa - mas o exterior, onde, ao lado do granito, foi colocado cimento.
Mas não é de património que desejo falar, mas de relações fraternas. Sobre o que me levou até ao Minho prefiro nada dizer, pois já tenho sarilhos que sobrem. A 11 de Agosto, apareceu, neste jornal, uma reportagem sobre irmãos, em que, claro, a minha família era a única – não fizesse eu parte dela – a falar de dissensões. Não porque estas não existam noutras, mas por, em geral, as famílias pretenderem manter uma fachada de harmonia.
Feita a entrevista por alturas da Páscoa, passara o tempo suficiente (quatro meses) para que, aquando do almoço de tréguas entre mim e os irmãos mais novos – zangados comigo desde 2005 – a Isabel e eu tivéssemos esquecido as inócuas frases proferidas, o que não os impediu de, mais uma vez, terem erguido o machado de guerra. A paz entre nós durou exactamente cinco dias. Decidi nunca mais falar deles, nem para dizer bem, nem para dizer mal.
Vestindo agora o hábito de historiadora, pergunto-me: será que as famílias variaram no tempo? A resposta é afirmativa. Um lar ateniense, do século V A.C., era composto por um pai omnipotente, uma esposa dócil, alguns filhos e um amante (em geral um rapazinho púbere). Tão forte é, contudo, a ideologia que rodeia a instituição que tendemos a vê-la como atemporal. Muita gente postula, à partida, um modelo, de onde resulta serem algumas famílias consideradas «disfuncionais» (para usar um termo, estúpido, inventado pelos sociólogos americanos).
Deixo de lado as relações verticais, entre pais e filhos, preferindo concentrar-me nas laterais, entre irmãos, onde a inveja é frequente, como o demonstram as relações no seio da Família Original, em que um dos filhos, Caim, mata o outro por ciúmes. Mas não é só no Antigo Testamento que isso acontece. A História de Portugal está repleta de casos interessantes: basta lembrar as vidas dos reis D. Pedro e D. Miguel. Como interrogava o cínico Salazar a alguém que lhe falava, em termos entusiastas, de uma certa família: «Ai, sim, e já fizeram partilhas»? Mas foi Tolstoi quem disse o essencial. Das famílias felizes, não reza a história; apenas as infelizes merecem atenção. É por isso que gosto da minha.
«Expresso» de 29 Set 12

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4 Comments:

Blogger José Batista said...

Creio que Maria Filomena Mónica se quer referir à Freguesia de Tenões, situada na margem esquerda do rio Este, quase na encosta do Bom Jesus (do Monte). A igrejinha foi realmente adulterada, naquilo que as pessoas entendem como um arranjo de que estava muito precisada. O problema é a (falta de) sensibilidade estética e pouco conhecimento histórico-cultural do vulgo, agravado pelo descuido das hierarquias da igreja...

6 de outubro de 2012 às 23:31  
Blogger JARRA said...

A Drª Filomena referia-se à freguesia de Tesões, que realmente estão muito adulterados. Aqui fica a correção ...

7 de outubro de 2012 às 11:10  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Resposta de MFM:

«A freguesia, de que falo no artigo, chama-se de facto Tenões, mas não era esse o seu nome histórico, mas Telões, pelo que decidi optar por este. Sou uma snob cultural, não sou? Tem inteira razão o José Batista: a responsabilidade da degradação do património edificado, nomeadamente o religioso, deve-se à falta de sensibilidade estética das populações – a quem nunca foi dado qualquer tipo de educação artística – e ao analfabetismo de grande parte do clero. Numa hipótese optimista, se a situação mudar, o povo deparar-se-á apenas com ruínas, mutilações e horrendos «parques temáticos». Dizem-me que o Mosteiro de Tibães está finalmente restaurado. Uma vez que o baptizado a que fui em Braga nunca mais acabava – no norte as refeições são demoradas – não tive tempo de lá ir, mas não me esquecerei de o visitar e de, se gostar, louvar a obra»

7 de outubro de 2012 às 19:18  
Blogger José Batista said...

Não, a Maria Filomena Mónica não é nada snob. De resto, a cultura, cultura mesmo, não é snob, acho eu. Eu é que não sabia e fiquei a saber. Mas, para identificar a freguesia, o melhor, parece-me, é o nome atual.
Quanto ao Mosteiro de Tibães, esse vale a pena ver. Aquilo já esteve nas ruas da amargura, mas foram feitas diversas obras de restauro e a visita é compensadora: ao interior do mosteiro, à zona agrícola e à mata. Digna de ser apreciada é também a talha dourada da igreja, muito rica, e algumas figuras curiosas esculpidas em madeira nas zonas laterais, perto da entrada.
Achei engraçada a referência às refeições festivas dos minhotos: baptizados, casamentos e mesmo aniversários. São uma espécie de "festivais" de empanturramento, muito bem regados e cheios de música e cantares. De resto, em todas as freguesias, no Verão, é comum haver uns "funis" a debitar música popular da região, a partir dos campanários, não raro muito estridente e brejeira (por exemplo as cantigas de Quim Barreiros). Já tenho dito a familiares e amigos minhotos que tenho pena do seu horror ao silêncio e aos sons da paisagem, sem contaminação. Mas eles não conseguem acreditar que seja sincero...

7 de outubro de 2012 às 23:17  

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