C r o n i c a n d o
Por Joaquim Letria
A CRÓNICA deveria ter um propósito nobre: falar
do que mais ninguém fala e dar voz a quem não a tem. A comunicação social cala
as coisas, silencia as pessoas e apaga a memória. A crónica deveria ser para
que nada disso acontecesse.
Os bons
cronistas devem ser subjectivos, emocionais, pretensiosos, rebarbativos e
caprichosos. Os cronistas eram uma praga módica, mas agora são uma epidemia,
com o mundo cheio de senhores e senhoras a quem chamam cronistas. Publicam-se
antologias de crónicas, abundam cursos de escrita criativa dirigidos à crónica,
aparecem teses a estudar a crónica, há workshops e cursilhos de crónicas.
Dezenas de possibilidades e de perigos.
Há anos, os
cronistas receavam a internet. Hoje, trocam dicas sobre como aproveitarem as
redes sociais. É interessante conhecer verdadeiros cronistas um pouco por todo
o mundo e descobrir que já nenhum deles
fala dos grandes media, jornais ou revistas, deste ou daquele país e em que
moeda pagam, todos fugimos dos meios tradicionais para despontarmos em revistas
amigas ou surgirmos em blogues, essa nova
folha de papel virtual onde deitamos os nossos textos.
A mim sempre
me interessou que a crónica fosse um género marginal, uma opção, uma escolha à
margem da principal corrente, uma RTP2 em vez duma RTP1,aquela que só vê quem
quer, quando nada mais valia a pena ver.
Por estas e por outras é que a crónica deve
ser subjectiva, pretensiosa, fura-vidas, marginal, capaz de meter em crise as
linguagens tradicionais, os estilos enganosos, os senhores e senhoras cronistas
e este poder que os pariu.
Etiquetas: JL
1 Comments:
Cursilhos, sim senhor.
E diplomados em cursilhos, à semana e ao domingo, por equivalências com base em "funções" e "experiências", com pós-graduações antes das graduações, orientados por/GPS(s) muito operativos em direção ao nosso bolso e... à nossa alma.
São os que, cronicamente, têm lavrado a nossa vida. E nos vão "cronicando".
Servidos por muitos senhores e senhoras cronistas que não só os pariram como diligentemente os lambem.
Arranjámo-la bonita!
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