Da caducidade
Por Rui Tavares
AS INSTITUIÇÕES não acabam no momento em que desaparecem. Vão
acabando à medida em que as pessoas se forem convencendo que elas são
inúteis. Esta ideia poderia bem ser considerada pelo nosso parlamento.
Ontem, a maioria na Assembleia da
República aprovou um orçamento irrealista — baseado em previsões
económicas nas quais ninguém acredita —, injusto — punindo especialmente
os trabalhadores, os pensionistas, o cidadão comum e, em particular, os
mais vulneráveis —, e iníquo — estabelecendo objetivos de
desvalorização interna e, em última análise, empobrecimento, que a
maioria dos portugueses recusa.
Mas, nos últimos dias, a maioria na Assembleia da República fez pior: esvaziou o seu próprio mandato.
Em primeiro lugar, dezoito deputados do
PSD decidiram apresentar uma declaração de voto na qual exprimiam o seu
desacordo em relação às medidas fiscais do governo. Esta era uma atitude
que, do seu ponto de vista, era perfeitamente adequada: os deputados do
partido maioritário no governo não faziam perigar o que provavelmente
considerarão ser prioritário, mas apesar de tudo descarregariam a sua
consciência. Pois bem, nem isso o autoritarismo imanente da política
portuguesa permitiu: o aparelho do PSD logo encontrou maneira de
esvaziar o mandato daqueles deputados. Mas evidentemente, os deputados
são também os culpados: nada, a não ser a pusilanimidade, os obrigaria a
aceitar este enxovalho.
Não acredito em deputados que são
supostos defender o país contra os interesses ilegítimos e a corrupção,
mas que cedem à mínima ameaça de não fazerem parte das próximas listas
eleitorais.
Após a vergonha da declaração de voto
que antes de o ser já não o era, e que mais uma vez mancha o PSD,
tivemos agora a reação ao voto contra de Rui Barreto, que mancha
irremediavelmente o CDS.
Rui Barreto, recorde-se, é o deputado do
CDS Madeira que é contra este Orçamento de Estado e que, por bizarro
que isso possa parecer neste sistema partidário, decidiu votar contra o
orçamento. Poderíamos considerar que, naturalmente, o seu voto contra
levaria a uma alteração do espaço político para este deputado dentro do
seu partido (eventualmente uma redução do espaço político, ou talvez
não) a ser julgada em tempo pelos seus correligionários militantes do
CDS.
Não foi isso que aconteceu. Em vez
disso, o líder do grupo parlamentar, Nuno Magalhães, declarou
imediatamente que o deputado seria alvo de um processo disciplinar por
ter furado a disciplina de voto.
Só há um detalhe: não há disciplina de
voto. Nem pode haver, pois o artigo 155 da Constituição diz que os
deputados devem exercer o seu mandato em liberdade. É evidentemente
inconstitucional punir um deputado por exercer o mandato como manda a
Constituição. Partidos como o CDS fingem não entender a essência da
democracia representativa, assente na independência do mandato. Se
tiverem coragem, mudem a constituição e passem a exercer o poder
legislativo em conferência de líderes. Bastaria meia-dúzia de deputados
com modulação de votos.
Agora a bola passa o Presidente da
República. Também ele precisa de considerar este pensamento: as
instituições não acabam no momento em que desaparecem, mas vão acabando à
medida que as pessoas se convencem da sua inutilidade.
(Crónica publicada no jornal Público no dia 26 de Novembro de 2012)
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