A Repartição dos Sacrifícios
Por Maria Filomena Mónica
SEM MAIS que fazer, ouvi a recente mensagem de Ano Novo do Presidente
da República. As «fundadas dúvidas» sobre a justa «repartição dos sacrifícios»
no próximo Orçamento do Estado levaram-no a que tivesse decidido enviar a lei
para o Tribunal Constitucional. Mas deixemos o Reformado-Mor em paz e olhemos o
que se passa à nossa volta. Para não ir mais longe, fui ver quanto ganhava o
meu vizinho, Eduardo Catroga.
Devo dizer que nada tenho
contra os ricos que trabalham, muito menos contra os indivíduos que correm
riscos ao fundar empresas num país politicamente instável, mas que tenho muito
contra o chamado tráfico de influências. Por mais que me queiram convencer que
foi o mercado a ditar o actual salário do Dr. Catroga, não aceito a tese. Com
ou sem chineses, a empresa para que foi contratado, a EDP, só me tem dado
maçadas, revelando, o que é dizer muito, um nível de incompetência maior do que
a PT. Segundo O Correio da Manhã, no
passado ano, o Dr. Catroga, alguém «próximo» de Cavaco Silva, auferiu, como
Presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, 45.000 euros brutos por
mês, a que temos de juntar 9.600 euros de reforma. Admitindo, como o próprio anunciou,
que pagará metade em impostos, leva todos os meses para casa, 27.000 euros, por
um cargo não executivo. No primeiro semestre de 2012, período para o qual
existem dados, teve de presidir a cinco reuniões, ou seja, a menos de uma por
mês. Não se pode dizer que seja extenuante.
Não estou a escrever isto por
embirrar com a pessoa, mas por não excluir a interferência de factores de
índole partidária na sua nomeação (veja-se, aliás, a composição do órgão a que
preside). Em Portugal, não funciona o princípio marxista de a cada um segundo
as suas necessidades, nem o meritocrático, o de a cada um segundo a sua competência,
mas um infinitamente mais simples, o de a cada um segundo as suas amizades
políticas.
Há, em Portugal, muitos
economistas que julgam ter Adam Smith escrito apenas A Riqueza das Nações, mas o livro que o tornou famoso não foi
aquele, mas The Theory of Moral Sentiments. Era bom que os
economistas reflectissem sobre o seu primeiro parágrafo: «Por mais egoísta que
um homem possa ser, há evidentemente alguns princípios na sua natureza, que o
levam a interessar-se pela condição dos outros e a fazer com que a felicidade
deles lhe seja necessária, mesmo que em nada dela beneficie, excepto o prazer
de a poder observar. A piedade e a compaixão, isto é, a emoção que sentimos
perante a miséria do próximo (…) pertencem a este universo».
A actual relutância em
debater o papel dos mercados retirou do discurso político a energia cívica que,
noutros momentos, lhe dera vitalidade, contribuindo para que apenas se
discutam, não as desigualdades sociais, mas tão só formas avulsas de gestão. Será
que os meus compatriotas se sentem confortáveis vivendo no mais desigual país
da Europa? Eu, não. Se calhar, é por isso que sou de esquerda.
«Expresso» de 5 Jan 13
Etiquetas: FM
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