8.1.13

A Repartição dos Sacrifícios

Por Maria Filomena Mónica     
SEM MAIS que fazer, ouvi a recente mensagem de Ano Novo do Presidente da República. As «fundadas dúvidas» sobre a justa «repartição dos sacrifícios» no próximo Orçamento do Estado levaram-no a que tivesse decidido enviar a lei para o Tribunal Constitucional. Mas deixemos o Reformado-Mor em paz e olhemos o que se passa à nossa volta. Para não ir mais longe, fui ver quanto ganhava o meu vizinho, Eduardo Catroga.

Devo dizer que nada tenho contra os ricos que trabalham, muito menos contra os indivíduos que correm riscos ao fundar empresas num país politicamente instável, mas que tenho muito contra o chamado tráfico de influências. Por mais que me queiram convencer que foi o mercado a ditar o actual salário do Dr. Catroga, não aceito a tese. Com ou sem chineses, a empresa para que foi contratado, a EDP, só me tem dado maçadas, revelando, o que é dizer muito, um nível de incompetência maior do que a PT. Segundo O Correio da Manhã, no passado ano, o Dr. Catroga, alguém «próximo» de Cavaco Silva, auferiu, como Presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, 45.000 euros brutos por mês, a que temos de juntar 9.600 euros de reforma. Admitindo, como o próprio anunciou, que pagará metade em impostos, leva todos os meses para casa, 27.000 euros, por um cargo não executivo. No primeiro semestre de 2012, período para o qual existem dados, teve de presidir a cinco reuniões, ou seja, a menos de uma por mês. Não se pode dizer que seja extenuante.

Não estou a escrever isto por embirrar com a pessoa, mas por não excluir a interferência de factores de índole partidária na sua nomeação (veja-se, aliás, a composição do órgão a que preside). Em Portugal, não funciona o princípio marxista de a cada um segundo as suas necessidades, nem o meritocrático, o de a cada um segundo a sua competência, mas um infinitamente mais simples, o de a cada um segundo as suas amizades políticas.

Há, em Portugal, muitos economistas que julgam ter Adam Smith escrito apenas A Riqueza das Nações, mas o livro que o tornou famoso não foi aquele, mas The Theory of  Moral Sentiments. Era bom que os economistas reflectissem sobre o seu primeiro parágrafo: «Por mais egoísta que um homem possa ser, há evidentemente alguns princípios na sua natureza, que o levam a interessar-se pela condição dos outros e a fazer com que a felicidade deles lhe seja necessária, mesmo que em nada dela beneficie, excepto o prazer de a poder observar. A piedade e a compaixão, isto é, a emoção que sentimos perante a miséria do próximo (…) pertencem a este universo».

A actual relutância em debater o papel dos mercados retirou do discurso político a energia cívica que, noutros momentos, lhe dera vitalidade, contribuindo para que apenas se discutam, não as desigualdades sociais, mas tão só formas avulsas de gestão. Será que os meus compatriotas se sentem confortáveis vivendo no mais desigual país da Europa? Eu, não. Se calhar, é por isso que sou de esquerda.
«Expresso» de 5 Jan 13
           

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