7.1.13

Baltazar, Belchior e Gaspar avistam a Estrela de Belém

Por Nuno Crato 
EM VÉSPERAS do Dia de Reis e a celebrar os 40 anos do Expresso, lembrei-me que há tempos, sem sair da Europa, quase que diria que encontrei os Reis Magos... Foi na Basílica de Santo Eustórgio, em Milão, a uns 20 minutos a pé do célebre “Duomo”. No interior da igreja, detive-me num grande sarcófago romano com uma estrela marcada sobre a pedra. Tratava-se de uma representação da Estrela de Belém, com as suas tradicionais cinco pontas e uma cauda que se alarga. O que faz do sarcófago uma preciosidade é que, ao que se conta, foi trazido de Constantinopla com as relíquias dos Magos e a igreja foi construída no século IV d.C., pelo bispo Eustórgio, precisamente para as alojar. No entanto, Baltazar, Belchior e Gaspar não estavam lá. Ou talvez só parte. Já volto a esta história. 
O episódio dos magos e da estrela que os terá guiado é um dos mais populares do Novo Testamento, apesar de aí lhe ser feita apenas uma referência breve. Essa curta referência, contudo, tem sido alvo das mais diversas especulações e inspirou uma copiosa investigação científica. O primeiro a estudar o fenómeno do ponto de vista astronómico foi Kepler. Munido da sua nova teoria sobre o movimento elíptico dos planetas, o célebre astrónomo fez cálculos muito precisos e chegou à conclusão que no ano 4 a.C., data possível do nascimento de Cristo, tinha havido uma espetacular conjugação de planetas no céu, onde Júpiter se destacava pelo seu brilho. Seria essa a Estrela de Belém?
Nos séculos seguintes, dezenas de astrónomos avançaram as suas hipóteses e os seus estudos. Pensou-se que poderia tratar-se de um cometa, objeto celeste que realmente se move contra o fundo das estrelas e cuja aparição poderia, assim, indicar a direção de Belém. Em 1305, o florentino Giotto di Bondone tinha-se já adiantado às especulações dos astrónomos e pintado um cometa sobre o estábulo, onde o Menino é adorado pelos três reis. O fresco ainda hoje pode ser admirado na Capela Scrovegni, em Pádua. Mas é um belíssimo fresco, nada mais: não há registos de nenhum cometa que tenha marcado os céus à época do nascimento de Jesus.
Mais recentemente, os estudiosos começaram a fixar-se numa outra teoria. Os «magos que chegaram do Oriente» (Mateus, 2:1–16) não seriam reis, mas sim «homens sábios» e, assim, naturalmente versados em astronomia e astrologia, ciência e atividade que andavam então de mãos dadas. Quando disseram «vimos a sua estrela no Oriente» poderiam apenas ter querido dizer que haviam previsto algum fenómeno celeste a nascente, e que o interpretaram como sinal do nascimento de Jesus. Os astrónomos modernos descobriram um possível candidato: um nascimento helíaco, isto é, perto do Sol, do planeta Júpiter em Peixes, signo associado à Judeia. Esse nascimento verificou-se em Abril de 6 a.C. e apenas poderia ser previsto por cálculos astrais, pois é impossível observar um planeta quando este se encontra visualmente perto do Sol.
Quando o texto bíblico afirma que «a estrela ia adiante» e «sobre onde estava o menino parou», isso apenas significaria que o astro (Júpiter) seguia um movimento de leste para oeste nos céus (movimento hoje chamado retrógrado, para um planeta) e depois ficou estacionário, o que terá acontecido em 19 de Dezembro do mesmo ano, antes de recomeçar o seu movimento aparente predominante, de oeste para leste. A data é compatível com o que se admite ter sido o momento de nascimento de Cristo, situado em data incerta, entre 8 e 4 a.C. 
A interpretação científica parece que retira a magia aos três reis. Mas a história não quer saber de razões. Fui saber do destino imaginado de Baltazar, Belchior e Gaspar, afinal nomes inventados para calculadores celestes, e soube que, em 1162, quando Frederico I, o teutónico Barbarossa, pilhou Milão, levou com ele as relíquias que encontrou no sarcófago. Ficaram na Catedral de Colónia; e apenas em 1909, num gesto de reconciliação, regressaram à cidade lombarda, mas apenas parte: quatro ossos. 
É o que resta de uma história estranha, com quase dois mil anos. Prefiro a imagem popular. Três magos e um cometa. Ou a procura científica de algum evento astronómico raro.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 5 Jan 13

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2 Comments:

Blogger R. da Cunha said...

É agradável voltar a ter NC AQUI.

7 de janeiro de 2013 às 19:19  
Blogger José Batista said...

Interessantíssimo.
Parabéns ao autor.

E ao "nosso" Carlos Medina Ribeiro.

7 de janeiro de 2013 às 19:39  

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