3.1.13

Foto e castigo

Por Ferreira Fernandes
NO ÁLBUM de uma minha tia-avó havia uma foto com ela num banco de jardim, ao lado de uma incógnita. Esta era um vazio deixado por uma tesoura que contornara um homem também sentado ali. Homem, por causa do chapéu e perfil (a tesoura foi minuciosa). 
Na família ficou a lenda de um antigo namorado, deslize que, à tesourada, o futuro marido não perdoou, ao mesmo tempo que quis que se guardasse a foto, prova do pecado. 
Não garanto o romance, mas lembro-me bem da foto. Sei, assim, que a minha antepassada não usava a Snapchat, a aplicação ousada para smartphones. Lançada em setembro de 2011, a Snapchat já tinha enviado mil milhões de fotos ao fim de um ano, disse o londrino The Times, ontem. Não fotos como a da minha tia-avó - o jardim era público e a saia e a blusa só não cobriam o olhar feliz que traía o devaneio -, mas imagens cruas como hoje se fazem: com a Snapchat pratica-se o sexting, o envio de fotos sexuais. Parece que, a dois ou em grupo, é moda (de tal maneira que o Facebook lançou uma concorrente, Poke). Parece também que a história da minha tia-avó era mais conhecida do que a minha família supunha: ter ou enviar fotos íntimas leva ao arrependimento. Daí que a Snapchat tenha um truque: as suas fotos vivem breves instantes como a rosa de Malherbe. Dez segundos depois de enviadas, desaparecem... É não conhecer o espírito perverso do meu tio-avô: segundo o The Times, já há maneira de impedir a foto de ser apagada. 
«DN» de 3 Jan 13

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