O crime de ser português
Por Baptista-Bastos
DIZER-SE,
de Pedro Passos Coelho, que é muito corajoso traduz, unicamente, uma
interpretação do homem e da sua circunstância: não traz mal ao mundo, e
somente compromete o autor ou os autores da afirmação. Mas a
"circunstância" é bem mais pesada e cruel do que a amável frase parece
querer significar. Ortega discreteou, em lições proferidas em Lisboa,
sobre os factos colaterais por ela obrigados, talvez para explicar a
natureza das suas próprias opções. A coragem não é mensurável; porém, a
coragem de quem é martirizado adquire uma dimensão mais significativa do
que aquela dos dispensados de mau passadio.
Reconhecendo a
experiência de uma sociedade como a nossa, em que os conflitos não param
de surgir, em extensão cada vez mais fatídica, as vozes de protesto
contra esse comportamento, dito "corajoso", assumem a configuração de
requisitórios. À lista juntam-se, agora, os nomes de Adriano Moreira, de
recato e sensatez reconhecidos, e de Alfredo José de Sousa, provedor de
Justiça, cujas funções tem exercido com extrema prudência. O que leva
homens como estes a resistir à tentação irresponsável do silêncio é,
creio, o apelo à consciência moral. E a noção dos perigos iminentes
corridos pela pátria, já coberta de vexames e desfeitas desde que a
"coragem" se tornou num veículo de hipocrisia e de dissolvência.
A
situação tornou-se insustentável. À dissipação do horizonte secular da
esperança sucedeu-se um tempo sombrio, sem promessas nem sonhos. Estamos
rodeados de economistas muito sábios, mas que têm reduzido o humano a
gélidas equações, como se o poder fosse uma substância e não uma relação
de identidade. A vida existe, com particulares qualidades éticas, para
lá do discurso subjectivo do "mercado", que desleixa esses valores.
Talvez seja oportuno gritar: "Não é só economia, estúpido!"
"Para
viver, toda a Terra; para morrer, Portugal." Escreveu o padre António
Vieira, moldando o País a uma demonstração de aflitos. Raramente fomos
felizes, e a nossa literatura é um desfile de grandes angústias. Porém,
sempre obtivemos uma certa independência, caracterizada por compromissos
políticos e sociais. Desta vez, o ciclo é mais pesado e trágico.
Constitui a expulsão de um todo: físico, espiritual, cultural e moral,
como se poderosa amnésia se houvesse abatido nesses modos de entidade.
Ser português, para estes senhores da "nova" ideologia, tornou-se num
quase pecado que terá de ser punido com rude severidade. É isso que está
em causa: a modificação radical do que somos, em nome de uma
"normalização" que nos torne iguais aos outros e a todos. Um mundo
tenebroso e negro, no qual a dança das culturas e das diversidades é
absolutamente proibida. Um mundo dirigido por um poder distante e
inacessível. Eis o que se nos propõe.
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)«DN» de 16 Jan 13
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