29.7.13

Desastre e… milagre?

Por Antunes Ferreira
DA TRAGÉDIA de Santiago de Compostela – em que morreram pelo menos 80 pessoas, no descarrilamento do AVE, o comboio de alta velocidade espanhol – quero aqui salientar dois aspectos. Mas, primeiramente há que lamentar a perda de tantas vítimas: de acordo com as últimas informações oficiais teria havido, para além das vítimas mortais, quase 170 feridos, dos quais mais de 90 deram entrada em hospitais, e 35 estavam em estado crítico. É um daqueles acontecimentos que não se pode pautar pelas estatísticas apenas. No entanto, informou-se que fora o pior pelo menos nos últimos 40 anos, no que toca ao transporte ferroviário em Espanha. 
O primeiro contempla o maquinista, Francisco José Garzón, que se encontra preso, e já foi constituído arguido pelo crime de homicídio por negligência. Para a sua primeira audição, Garzón terá dispensado o acompanhamento por um psicólogo. De resto, já tinha reconhecido que seguia com excesso de velocidade. Isto é, estupidamente exagerada. Na curva fatídica que se sucede a um túnel, mais precisamente o de Angrois já próximo da cidade dos Caminhos, ele conduzia o comboio a cerda de 190 quilómetros à hora, quando a velocidade máxima naquele local era de 80. 
Há, portanto, que considerar o procedimento do condutor que, no mínimo, foi considerado criminoso. Mas, e de acordo com o que a comunicação social referiu, ele era um amante da velocidade, tendo-se há uns tempos vangloriado através do Facebook do que conseguia alcançar, publicando inclusive uma foto tirada por ele próprio incidindo sobre o velocímetro que marcava 200! Excesso de confiança, num homem que era maquinista há cerca de 30 anos? Não, excesso de irresponsabilidade, ignóbil, incrível, criminosa. Soube-se, entretanto, que Garzón pode sofrer uma pena de 12 anos de prisão. O que é manifestamente pouco. Mas, as leis… 
Uma testemunha implacável, ainda que muda, registou a ocorrência de modo impressionante: uma câmara de vigilância e controle da linha revelou o momento em que o AVE descarrilou! Como se sabe, a sigla significa Alta Velocidad Española, e é um motivo de orgulho para o país nosso vizinho. Os comboios ligam as principais cidades de Espanha; o acidentado vinha de Madrid. As viagens são excelentes (já o comprovei pessoalmente). Porém, esta teve a assinala-la pela negativa o tremendo descarrilamento. ++Em segundo lugar: viajavam a bordo das dez carruagens mais de 200 passageiros, naturalmente homens, mulheres, idosos e crianças. O eterno duelo entre a vida e a morte salda-se sempre pela vitória da segunda. Não há volta a dar. Ela é, infelizmente, a única coisa que temos certa – na vida. Pois bem, entre os que sobreviveram à espantosa ocorrência figurava uma família galego-venezuelana de ascendência catalã. 
Constituíam-na Daniel Castro Pinzón, de 34 anos de idade, sua mulher Yesica Medina Castaé, de 32 anos, o filho mais velho, de sete anos e a bebé de mês e meio. Quis a felicidade e a sorte que tivessem escapado do matadouro que foi a catástrofe ferroviária. Foram levados para o Hospital Clínico de Santiago, onde os clínicos constataram que se encontravam bem. Bem, naturalmente, significa que se tinham salvado e, ao que parece sem grandes mazelas.
"É um milagre que não lhes tenha acontecido nada" disse a avó, citada pelo diário El Universal. Igualmente venezuelana de origem catalã, Ana Maria Castaé, 60 anos, que reside desde há três anos em Ferrol, Galiza, fora avisada pela polícia que os seus familiares tinham escapado do inferno constituído pelos materiais metálicos retorcidos e encavalitados, pelas chamas, pelos gritos dos sinistrados, pelo drama pungente, enfim.
Milagre ou não, o facto incontroverso é que os Castaé nunca saberão a que deveram, ou a quem deveram a salvação. Há mistérios que não têm explicação por mais que se matute neles.

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2 Comments:

Blogger Rantanplan said...

O nosso alfa Porto-Lisboa desloca-se por vezes a, pelo menos, 220Km/h. Se um dia o maquinista de um alfa postar uma galhofa no facebook a dizer que faz disparar os radares da GNR fica, claro, proibido de ter acdentes se não quiser ser crucificado em dois dias.

Acho lamentável alinhar na divulgação deste tipo de informação. Até já deve haver jornalistas a investigar se o homem costumava simular acidentes de comboio em miúdo com os Legos que tinha lá em casa.

Muito mais quando se sabe que na linha existia um sistema (o ASFA) que serve precisamente para parar comboios mesmo que o maquinista vá a dormir. Mas é claro que vamos assistir ao debitar de questões técnicas com um único objectivo: culpar o maquinista (que sim, pode também ou não ter sido negligente, e desculpar a falha evidente do sistema porque essa iria imputar quem não interessa.
Estamos fartos de ver estas coisas, não?

29 de julho de 2013 às 13:05  
Blogger Agostinho said...

Houve pelos vistos cumulação de erros neste caso. O condutor ou maquinista já assumiu a sua quota parte, faltará agora apurar outros erros, técnicos ou humanos, e a identificação dos seus responsáveis. Não para crucificar pessoas mas para que as sanções e penas que lhes forem imputadas sirvam de exemplo para todos.
Quando digo todos, quero dizer mesmo todos, desde o dirigente máximo de empresa até ao simples serventuário, incluindo ainda cada um de nós que vivemos os nossos dias nesta sociedade cada vez mais complexa e perigosa.
Não há homens perfeitos mas todos, sem exceções de condição, devem assumir as suas responsabilidades enquanto estiverem por cá.

29 de julho de 2013 às 14:38  

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