A Decadência da França
Por Maria
Filomena Mónica
TENHO uma amiga, cuja tia, através de umas velinhas
eternamente acesas, é capaz de antever o fim do mundo. Há quinze dias, avisou-me
de que o Apocalipse estava a chegar. Só depois percebi que se tratava do Orçamento
de Estado para 2014, mas, por confiar nela, meti-me no primeiro avião que
poisou na Portela. Aterrei em Paris,
uma cidade onde há muitos anos não ia. Durante a anterior estadia tudo correra
mal, com relevo para o estabelecimento, o Grand
Hotel Taranne, que uns amigos francófilos me tinham indicado. O suposto
hotel de charme, situado defronte do Café
Flore, era uma pocilga asfixiante de onde fugi após a primeira noite.
Com a força que a raiva produz, bati à porta de
todos os hotéis do bairro, tentando encontrar algum que dispusesse de ar
condicionado. Foi assim que descobri o Hotel
Madison, uma ilha de conforto. Eis a razão que me levou a, mais uma vez, o
escolher. Quando entrei, notei que tinha sido renovado, mas o que realmente me
espantou foi o desaparecimento do bidet. Depois de ter sido obrigada durante
anos a aturar as risotas de colegas anglo-saxónicos sempre que se falava deste
objecto, eis que a França, o país que o inventou, decidiu mandá-lo para o
caixote de lixo.
O bidet apareceu no final do século XVII em França. Há quem diga
que o seu inventor foi Christophe Des Rosiers, um marceneiro fornecedor da
família real, mas nem isso se sabe. Mas pode-se afirmar, com um elevado grau de
certeza que, devido à melhoria das canalizações, passou a ocupar um lugar
especial nas casas de banhos dos ricos. Durante o século XX, os países latinos,
com destaque para Portugal, adoptaram o objecto, sendo possível encontrá-lo em
países tão distantes quanto a América Latina e o Médio Oriente. Reina, neles,
um desejo de limpeza, que não se detecta em locais como a China, onde, segundo
me contaram, o cheiro é pestilencial. Há ainda o caso dos EUA, que possui os
melhores duches do mundo – um aparelho que a Inglaterra continua a desprezar – mas
que só agora tem vindo a adoptar o bidet. Em suma, enquanto o objecto atravessa
os oceanos, a França opta por dar cabo dele.
Já agora, vale a pena mencionar os disparates que,
em matéria de casas de banho hoteleiras, grassa por todo o mundo. Há cerca de
dez anos, fiquei numa pousada em Vila do Conde, onde sem instruções especiais,
era impossível tomar um duche. Há dois, alojei-me, em Madrid, num hotel da Calle
Serrano que, em vez de banheira, dispunha de uma espécie de cabine telefónica,
onde existia um tubo, parecido com uma esferográfica, de onde a água saía a
temperaturas imprevisíveis. No ano passado, fiquei num hotel de luxo em
Barcelona, onde me era oferecido um tanque à romana, sem cortina a separá-lo,
pelo que sempre que lá me metia, o quarto ficava inundado.
Os hotéis deram em brincar às modernices. Seja como
for, o bidet tem de voltar a ocupar o lugar nobre que, ao longo dos séculos,
manteve na tradição gaulesa. Pelo menos, até ao verdadeiro Apocalipse, aquele
que ditará que a minha reforma será de dez euros e cinco cêntimos.
«Expresso» de 12 Out 13
Etiquetas: FM
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