JOSÉ MARIANO REBELO PIRES GAGO (1948-2015)
Por A. M. Galopim de Carvalho
QUANDO se chega à minha idade, já o escrevi, o que mais dói é ver partir os amigos e companheiros e olhar para os que
resistem e saber que um dia destes nos iremos despedir deles, mais do que se
formos nós a transpor essa passagem que todos temos como certa. Mas nestes
amigos e companheiros, apenas incluía os da minha geração. Não os que ainda
julgamos cheios de vida, como era o Zé Mariano para os amigos. Nestes casos,
além dessa dor, há a consciência igualmente dolorosa, da perda de um futuro que
no caso deste amigo, era particularmente promissor. Conhecemo-nos, nos anos 80,
na Livraria Buchholz, num fim de tarde, em Lisboa, em que falámos de divulgação
científica. E ficámos amigos.
Como físico de prestígio, outros mais habilitados
do que eu falarão. É dele, como grande impulsionador da investigação científica
e paladino da cultura científica, que posso falar com conhecimento de causa.
Em 1987, Mariano Gago, então Presidente da ex-Junta
Nacional de Investigação Científica (hoje Fundação para a Ciência e a
Tecnologia), lançava o “Programa Mobilizador de Ciência e Tecnologia”, no qual
tinha cabimento uma componente dinamizadora das Ciências do Mar apresentada
publicamente pelos Profs. Mário Ruivo, da Comissão Oceanográfica
Intergovernamental da UNESCO, Michael Collins, da Universidade de Southampton,
R. U., e Michael Vigneaux, da Universidade Bordéus I, França. Na sequência
desta iniciativa, João Alveirinho Dias, ao tempo o primeiro e único doutorado em Geologia Marinha,
António Ribeiro, meu colega na Faculdade de Ciências de Lisboa, e eu criámos e
desenvolvemos um projecto de investigação iniciado como estudo da plataforma
continental portuguesa, sediado no Museu Nacional de História Natural.
Foram instituições participantes neste
arranque para as Geociências do Mar: o Instituto Hidrográfico, como parceiro
principal, o ex-Gabinete para a Pesquisa e Exploração de Petróleo, o
ex-Instituto Nacional de Investigação das Pescas, o Departamento de Protecção e
Segurança Radiológica do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia
Industrial, o Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, os
Departamentos de Geologia da Universidade de Évora e da Faculdade de Ciências
da Universidade de Lisboa, o Departamento de Ciências da Terra da Universidade
do Minho e a ex-Secção Autónoma de Geologia da Universidade Nova de Lisboa.
Este projecto visou, sobretudo, a formação de
jovens investigadores na área da Geologia Marinha, a promoção de acções
interdisciplinares, a dinamização da cooperação interinstitucional, a
optimização do potencial humano e dos recursos e equipamentos existentes nas
diversas instituições envolvidas e, ainda, a criação de um corpo nacional de
investigação neste domínio, até então, acentue-se, ausente das nossas
universidades. Caracterizado por grande informalismo e por um mínimo de
burocracia, constituiu um fórum de permuta de ideias e experiências, de
discussão de resultados e de interajuda dos seus aderentes. Com o passar do
tempo, evoluiu naturalmente para uma rede de investigação, eficaz e igualmente
informal, cujos elementos, dispersos, como se disse atrás, são agora os
promotores e os responsáveis pelos seus próprios projectos, em que cada um
procura as colaborações mais convenientes e nos moldes que entenda
estabelecê-las.
Com o indispensável e sempre disponível apoio do
Instituto Hidrográfico, ao tempo do Director–Geral, Vice-Almirante José Almeida
Costa e dos Comandantes Vidal de Abreu (Chefe da Divisão de Marés e Correntes)
e Torres Sobral (Director-Técnico), o grupo inicial deste projecto de investigação
(do qual saíram uma dúzia de doutorados em Geologia Marinha),
deixou descendentes, ou seja, fez escola que continua a dar frutos, uma
realidade que ficará esquecida se ninguém se der ao trabalho de a registar. Com
uma primeira geração de investigadores que, de juniores passaram a seniores,
vimos singrar a maior parte destes “filhos”, hoje independentes e a trilharem
os seus próprios caminhos, o que nos enche de satisfação e orgulho. Actualmente
há “netos” que já nem conhecem os “avós”, mas que só existem porque nós, sempre
apoiados pelo já então Ministro da Ciência, José Mariano Gago, tivemos a
ousadia de iniciar esta viagem e de segurar o leme deste navio, nas primeiras
milhas desta gratificante navegação que conduziu, repito, à introdução das
geociências do mar nas nossas universidades, designadamente, nas do Algarve, de
Aveiro e de Lisboa, onde os mestrados e os doutoramentos se sucedem.
Pessoalmente, perdi um amigo. Entre muitas
recordações guardo dele o prefácio que teve a amabilidade de escrever no meu
livro “Como Bola Colorida – A Terra, Património da Humanidade” (Âncora Editora,
1907) e gentileza de ter feito a apresentação do “Dicionário de Geologia”
(Âncora Editora, 2011), na Reitoria da Universidade de Lisboa, ao tempo do
Reitor António Sampaio da Nóvoa.
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1 Comments:
Fazia (muita) falta no "sorumbático" um texto sobre o Professor Mariano Gago. Um grande Homem Português, a quem muito ficamos a dever.
E dificilmente se encontrava melhor mão (e melhor peito e melhor alma) para escrever sobre ele que o Professor Galopim de Carvalho, também ele um Homem Bom de Portugal, que não desiste de nos ajudar. Estou curioso sobre o seu último livro "As pedras e as palvras", que ainda não adquiri. Mas não hei-de perdê-lo.
Muito bem haja. Aos dois. Sempre.
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