5.7.15

FRANCOFONIA

PorA. M. Galopim de Carvalho
Quando, nos anos 50, frequentei a Universidade, a língua de Molière dominava nas relações académicas, nos compêndios e manuais de estudo. Neste período áureo da penetração da inteligência gaulesa na nossa vida cultural e científica, em particular no ensino superior e na investigação científica, a maioria dos estágios dos nossos assistentes e jovens investigadores tinha lugar em França, na maioria, em Paris. Recordo apenas os nomes dos grandes autores francófonos sobre os quais assentou o essencial da preparação dos geólogos da minha geração, das que me precederam e das que se me seguiram até ao advento da Teoria da Tectónica de Placas, nos anos 60. Foram nossos mestres, à distância e através dos seus livros, P. Fourmarier, L. Moret, J. Jung, M. Gignoux, A. Lacroix, P. Piveteau, P. Pruvost, E. Raguin, L. Cayeux, J. Bourcart, G. Millot, A. Vatan, A. Cailleux, entre outros. A par destes, os grandes autores alemães, mercê da língua, que só um ou outro dominavam, pouco saíam das estantes das bibliotecas. Com maior divulgação, mas não tanta quanto a dos livros em francês, havia os dos autores que faziam uso da língua inglesa, em especial, americanos, britânicos e um ou outro do Norte da Europa.
Os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial deram hegemonia ao inglês, situação que se tem vindo a acentuar com a globalização de múltiplos sectores da actividade dos povos deste planeta já referido por alguns por “aldeia global”. Um caso paradigmático desta evolução passou-se com o livro “Géologie des Argiles”, de George Millot, editado pela Masson, Paris, em 1964. Obra notável e pioneira deste meu mestre, abriu-me o caminho ao estudo das bacias sedimentares continentais do Cenozóico português e permitiu que me antecipasse aos meus pares americanos e ingleses na interpretação paleogeográfica e paleoclimática deste tipo de estudos, dada a pouca penetração do francês no universo anglófono. As teses de doutoramento que defendi nas Universidade de Paris e de Lisboa, em 1964 e 1968, são disso testemunho. As concepções deste ilustre professor de Estrasburgo, só tiveram a divulgação que se impunha, e a correspondente penetração na comunidade dos sedimentólogos, a partir da edição deste seu livro, em inglês, na América, sob o título “Geology of Clays”, na Springer-Verlag, N.Y., em 1971.

Uma influência da francofonia, por exemplo, na nomenclatura das rochas foi a que, em minha opinião, deu origem a uma imprecisão que ainda hoje persiste em muitos manuais de ensino e, até, em textos científicos. Trata-se do uso da expressão rocha eruptiva, como sinónima de rocha magmática ou ígnea. O qualificativo magmática indica, e bem, que a rocha resultou da solidificação de um magma, isto é, um material rochoso total ou parcialmente no estado de fusão e, portanto, incandescente ou ígneo, magma de que temos exemplo aproximado na lava saída de uma erupção vulcânica. Neste caso, a rocha que se forma, o basalto, por exemplo, além de ser magmática ou ígnea, é também e de facto, eruptiva. Outras rochas magmáticas como o granito, resultam da solidificação em profundidade, na crosta, de magmas que nunca brotam à superfície e que, portanto não dão origem a erupções. Designar estas rochas por eruptivas é, por conseguinte, uma incoerência entre a realidade e o significado da palavra.
Os grandes petrógrafos franceses do princípio do século XX foram beber esta imprecisão, acriticamente, aos seus antecessores alemães, da segunda metade do século XIX, eles, sim, os criadores do termo germânico, Eruptivgestein, aplicado a qualquer rocha magmática, eruptiva ou não, e, daí, a expressão roche éruptive dos autores franceses. Foi, sobretudo, a partir destes que, também acriticamente, a expressão rocha eruptiva, com o mesmo significado de rocha magmática, entrou e teima em persistir, erroneamente, na terminologia geológica portuguesa.


Etiquetas: