1.10.15

Por C. Barroco Esperança 
Quando Dilma Rousseff reivindicou a qualidade de Presidenta da República do Brasil para designar a função, pela primeira vez por uma mulher em todo o espaço lusófono, provocou crispação e animosidade até entre os portugueses mais entusiastas da sua eleição.
 Não é a inflexibilidade do idioma luso que o impede, pelo contrário, mas o carácter misógino das religiões abraâmicas, neste caso, da católica.
 Deus e o Diabo, anjos e profetas, apóstolos e clérigos não têm feminino. Na angelogia não há ‘anjas’ em qualquer grau referido por Tomás de Aquino na escala decrescente da sua importância: 1. Serafins, 2. Querubins, 3. Tronos, 4. Dominações, 5. Virtudes, 6. Potestades, 7. Principados, 8. Arcanjos, 9. Anjos.
 A Igreja considera a mulher inferior e impura. Paulo de Tarso, obreiro da primeira cisão conseguida do judaísmo, designava como obscenos o cabelo e a voz das mulheres. Essa misoginia tribal e patriarcal foi responsável pela sujeição feminina durante séculos e ainda influencia o próprio idioma.
 Na Igreja não há femininos. Diácono, presbítero, padre, cónego, monsenhor, arcipreste, bispo ou cardeal não têm variação de género. A plausível e longínqua presença de uma admirável mulher no trono pontifício logrou a única exceção – ‘papisa’.
 Nas Forças Armadas, apanágio do poder do Estado, não há feminino para soldado, cabo, sargento, alferes, tenente, capitão, major, tenente-coronel, coronel ou general, nem para os postos equivalentes da Marinha de Guerra.
 Durante a ditadura fascista era interdito o acesso de mulheres à carreira militar, judicial e diplomática. Não surpreende que a variação de género para o substantivo ‘presidente’ incomode tanto quanto ainda arranha o de embaixadora para quem aprendeu na escola primária a palavra embaixatriz, para designar … a mulher do embaixador, ou juíza para quem nunca previu que pudesse haver mulheres com beca.
 Quando o poder era de origem divina, tantas vezes de filhos bastardos ou de progenitura duvidosa, não faltou à língua portuguesa flexibilidade para títulos nobiliárquicos: barão, conde, duque, marquês, infante, príncipe ou rei. Infante tem direito ao feminino que ainda se nega a presidente. Só às mulheres dos beis de Tunes o idioma luso negou o feminino de ‘bainhas’ em analogia com as consortes reais ou princesas favorecidas por não terem irmãos varões.
 Bendito jacobinismo da Revolução Francesa. Acabaram os fidalgos, ficaram os títulos.
 A desigualdade de género persiste na religião, na política e na gramática. É uma questão de poder.
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 Apostila: ‘capitã’ é o legítimo feminino de capitão, mas ainda é ilegal nos quartéis, tal como ‘juíza’, que continua ausente do léxico judicial.
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Ponte Europa / Sorumbático


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4 Comments:

Blogger Unknown said...

Caro Carlos,
Parece um post simples, mas não é.
Muito pertinente e bem escrito para que nos tente tirar desta ignorância estrutural deste povo.
Cumprimentos
Luis Filipe

1 de outubro de 2015 às 12:48  
Blogger José Batista said...

Por mim, relativamente a conceitos como o de "presidente" resolvia-se a questão de outro modo: a palavra passaria a constar nas gramáticas como comum aos dois géneros. Porventura, até já será assim... Tanto me faz dizer "o presidente" como "a presidente" e é assim que desde sempre, na profissão que desempenho, nos referimos a quem, mulher ou homem, preside a uma reunião, por exemplo.
"Presidenta" é, francamente, um palavra que não me soa bem e que me desagrada. E não creio que seja por falta de hábito ou, muito menos, devido a preconceito contra as mulheres.
Também se poderia dizer "o sacerdote" ou "a sacerdote", mas já não me soaria bem "sacerdota"... ou "padra"... etc...

1 de outubro de 2015 às 19:02  
Blogger José Batista said...

Este comentário foi removido pelo autor.

2 de outubro de 2015 às 15:59  
Blogger José Batista said...

Falando (ainda) de géneros, ficou-me uma curiosa gralha no comentário anterior, quando escrevi "um palavra" - em que não bate o género do artigo, a que agora já não chamam assim..., com o do substantivo, que também já não se designa deste modo.
A gramática vai mudando, mas nem sempre para melhor.
Um caso concreto bem exemplificativo da desnecessidade de género gramatical e de alteração para melhor deu-o essa exemplar mulher chamada Natália Correia quando exigiu que a considerassem "poeta" e não "poetisa". De modo claro e límpido acrescentou a razão cristalina - a poesia não tem sexo.
E se tem não devia ter, digo eu.
A língua é um bem cultural e social de um povo. Deve ser, por isso, escrupulosamente respeitada. E a gramática é o seu normativo. Língua e respectiva gramática devem evoluir "naturalmente", a segunda enquadrando e regulando a primeira. Não é a língua propriedade de ninguém e por isso não devia ser mudada por decreto, sem o consentimento democrático dos que a falam e/ou escrevem. Não foi isso que aconteceu com o chamado "acordo" (de quem com quem, em nome de quem?) ortográfico.
Mas a nossa democracia é algo... fictícia.

2 de outubro de 2015 às 16:03  

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