1.1.16

Anos exigentes, respostas incertas…

Por António Barreto
Ainda não se sabe muito bem se este ano de 2016, que agora começa, é o primeiro de uma era, ou se, pelo contrário, é o último de um ciclo. Ou se, finalmente, nem uma coisa nem outra, tão só e apenas um ano depois de um ano e um ano antes de outro.
Pelas exigências que se alinham diante de nós, tenho a certeza de que se trata da primeira hipótese: é possível e necessário iniciar, nos próximos anos, uma nova vida. E uma vida nova. É de tal maneira necessário, que seria bom começar já.
Que exigências são essas? Como é sabido, entre os nossos grandes males, contam-se: a perda de independência; a submissão aos ditames dos credores; o maior endividamento da nossa história; a falta de capital; a emigração elevada; a persistente incapacidade de criar emprego; a muito pronunciada desigualdade social e económica; o enorme défice cultural e educativo; a crispação política em clima de partidocracia; um Estado social insustentável com a economia que temos; e uma Justiça penhorada e capturada por interesses, corpos e profissões.
Se estas são as exigências, quais seriam as respostas possíveis? Quais seriam os sinais que nos permitiriam ter alguma esperança em 2016 e anos seguintes? Quais são os indicadores que nos ajudariam a dar resposta à pergunta inicial: fim de um ciclo ou início de uma nova era?
De aqui para a frente, vamos estar atentos ao menor sinal de progresso ou de agravamento. Olhemos para os números e os factos, vejamos as estatísticas e as primeiras páginas dos jornais, sintamos o pulsar da vida nas empresas e nas escolas e observemos o orçamento e as reacções da União europeia. Um som na floresta, um rumor na cidade, um movimento na madrugada e uma nuvem no crepúsculo: todos os sinais serão bons para medir os progressos, a estabilidade e os recuos. Vamos tentar olhar para os fumos e os ventos, sem prestar atenção às vozes dos políticos, cada vez mais estereotipadas, nem aos berros dos deputados, cada vez mais autómatos do lugar-comum. Vale a pena começar a inventariar pontos de referência que nos permitam verificar e avaliar empiricamente a evolução futura.
Serão os Portugueses capazes de aceitar, criar e proteger, sem excesso de dívida nem de consumo, um clima de tranquilidade e de produtividade que nos permita evitar o segundo resgate? Chegaremos ao fim deste próximo ano, com um novo orçamento realista, à altura de uma estabilidade criativa que nos permita não voltar ao FMI, à UE e ao BCE?
Saberão os Portugueses encontrar finalmente um caminho decente e nobre para a elaboração de uma nova Constituição, ou de uma Constituição revista, que não seja mais este absurdo e envelhecido pergaminho, próprio de um povo menor e de uma elite medíocre? Poderão os Portugueses imaginar um povo de adultos capazes de repensar livremente a Constituição e de livremente reformar o regime, sem que logo sejam enlameados pela demagogia dos que dizem que qualquer mudança na Constituição é necessariamente um atentado contra a democracia?
Depois desta experiência inédita de apoio parlamentar a um governo “que não é de esquerda”, começarão os comunistas a acreditar na liberdade dos outros, na liberdade de todos, em vez de pensarem exclusivamente na deles? Serão jamais capazes de acreditar na democracia e não a considerar como um passo necessário para a sua ditadura? Serão os comunistas capazes de encarar com alegria a liberdade de toda a gente?
O bloco de esquerda, formação política esquisita, mas de cariz europeu, que saiu dos interstícios das esquerdas libertárias e autoritárias, saberá resistir, sobreviver e deixar de se ocupar de travessuras de esquerda chique? Serão os bloquistas capazes de se manterem fiéis a ideais e, ao mesmo tempo, flexíveis nas soluções?
Conseguirão os socialistas, em risco de extinção, recuperar ou recriar alma, ideia, programa, honra, corpo e eleitorado?
A direita portuguesa conseguirá um caminho próprio entre o velho nacionalismo autoritário e um estranho liberalismo de fantasia descoberto debaixo de uma pilha de revistas de moda?
Saberão os social-democratas reorientar a sua política e o seu programa, restaurando ou actualizando crenças social-democratas?
Será possível encetar finalmente uma profunda reforma da Justiça, fazendo com que esta seja garantia de liberdade e pilar da democracia, começando a liquidar o poder dos corpos feudais e profissionais? Perceberão finalmente os políticos que a capitulação do legislador e do executivo perante este sistema judicial significa à renúncia à primeira garantia de liberdade, a Justiça?
            Poder-se-á começar a viver um tempo em que não haja mais casos de enorme falhanço das autoridades do Estado, de medonha ausência de governo e de pavorosa falta de perícia da União europeia, tal como atestam os casos do BPN, do BPP, do BES, do BANIF e, indirectamente, da CGD e do BCP? Destruída que está, por ganância, aldrabice e incompetência, uma parte importante do sistema bancário português, será possível recriar estruturas financeiras e bancárias capazes de levar o país para uma nova etapa de investimento?
Dado que já não é possível voltar atrás e tendo em conta que não sobram mais empresas nem grupos de grande dimensão e potencialidade, teremos ao menos a hipótese de saber o que aconteceu com a PT e a CIMPOR, duas jóias destruídas deliberada e minuciosamente? Haverá um Parlamento ou um Tribunal de Contas capazes de elucidar? Haverá um jornal livre com força para prestar esse serviço público?
Teremos finalmente aprovado um pacote de legislação ousada sobre os incentivos ao investimento privado e de captação intensiva de investimento externo? Conseguirá o governo não assustar os eventuais investidores, não afugentar os possíveis industriais e não massacrar prováveis clientes com ataques fiscais e perturbações judiciárias? Perceberão os Portugueses que, após tantos desaires, não haverá crescimento económico sem investimento, nem investimento sem iniciativa privada, nem iniciativa privada sem confiança?
Poderá o governo ter mão segura e perceber que, na corrupção, na promiscuidade e na impunidade residem as primeiras razões para a perda de liberdade?
Conseguirão o governo e as elites desenvolver acções e políticas capazes de, sem demagogia e sem novo endividamento, prestar atenção à desigualdade excessiva?
Se houver respostas afirmativas a pelo menos uma parte destas perguntas, tal quererá dizer que estamos no bom caminho, que uma nova era poderá iniciar-se, que a incerteza e a ansiedade poderão começar a diminuir. Se assim for, Portugueses, sereis homens e mulheres livres! Se…
Diário de Notícias, 29 de Dezembro de 2015

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