19.2.17

Sem emenda - Fora da Caixa

Por António Barreto
Com, provavelmente, mais revelações inesperadas e, certamente, mais uma comissão de inquérito, teremos folhetim por muito tempo. Até que algo importante e perigoso aconteça e o governo tenha medo, as oposições esperança e os aliados dúvidas, altura em que todos esquecerão a Caixa e navegarão para novos mares. Como é costume, deixarão, então, armários cheios de esqueletos incólumes, ilesos e inocentes. Até lá, ainda teremos réplicas ad nauseam

Tentando pensar out of the box, como se diz. É preocupante saber que haja quem entenda, nas esferas poderosas, que se pode não respeitar a lei ou fazer uma lei que se aplica para trás ou aprovar uma lei para contemplar um caso. É inquietante ver como a algazarra sobre este assunto passa por cima de princípios fundamentais e se aceitam dogmas horríveis mas comummente aceites. Por exemplo, a ideia de que o poder político está acima de tudo, do poder económico, da moral, da religião e do direito. Para não dizer da palavra dada e da honra. Outra, a ideia de que os direitos individuais estão abaixo dos direitos colectivos. Dito de outra maneira, o interesse da comunidade está acima dos direitos individuais. Estas ideias não nasceram lá, mas foram alimentadas pelas “luzes”, pela revolução francesa, pelo jacobinismo e pelo comunismo. E parecem hoje reinar, sem obstáculos, na política contemporânea, sendo esta uma mistura de nobres ideias (a democracia por exemplo) com nefastos valores (a cupidez e o poder absoluto da decisão política).
            
Tem-se tratado do governo, isto é, dos últimos governos, incluindo o actual, como se tivessem toda a legitimidade para intervir na banca e nas finanças, como se tivessem a obrigação de intervir, como se fosse necessário tomar conta, proteger, esbulhar, nacionalizar… Fizeram o que quiseram com o BES, a Caixa, o BPN e outros bancos e deixaram fazer o que lhes convinha. Deixaram correr o marfim em casos excepcionalmente graves, até ao afundamento de algumas das melhores empresas portuguesas. Compraram e venderam, deixaram comprar e vender, conforme lhes interessava politicamente (e talvez pessoalmente, nunca saberemos…).

De modo semelhante, pede-se ao governo e às autoridades constitucionais que tenham uma intervenção nas empresas e na vida das pessoas. Que se exija a declaração de rendimentos em cargos eleitos parece uma regra razoável, embora já intrusiva. Que essa exigência se estenda aos gestores é já problemático. O governo solicita a colaboração de pessoas, fica-lhes a dever um contributo valioso (caso contrário não teria pedido…) e depois põe condições que ultrapassam os quadros e o tempo dessa colaboração? E por que não aos 700.000 funcionários públicos? E por que não a todos os cidadãos e empresas que têm relações com o Estado?

A verdade é que reconhecemos ao Estado cada vez mais poderes, competências intrusivas e capacidades de condicionamento da vida dos cidadãos. Como lhe conferimos o direito de taxar o que, como e quando os governantes entenderem, para tanto basta precisar de dinheiro! Como ainda lhe atribuímos faculdades para interferir na vida económica dos cidadãos, das famílias e das empresas, sob o signo de princípios tão doces como o de “ir buscar o dinheiro onde ele está” ou “ir tirar o dinheiro a quem o tem”. Como aceitamos, em nome do interesse geral, que os governantes possam preferir capitalistas, seleccionar bancos, chegar-se a predadores e liquidar empresas outrora poderosas.

Abusar dos indivíduos, a título do interesse comum. Condicionar a vida privada dos cidadãos, em nome do bem de todos. Pôr em risco poupanças pessoais, como se fossem fortunas ilegítimas. Desrespeitar os bens de cada um, como se tudo fosse de todos. Retorcer o Estado de direito, a benefício da política. Eis algumas regras de vida, insuportáveis, que estão a forjar um mundo detestável.

DN, 19 de Fevereiro de 2017

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2 Comments:

Blogger opjj said...

Carissimo, anda por aí um mentiroso a oferecer bacalhau a pataco chamado JERÓMINO e perguntando-se-lhe;
Slogan do PCP- " A Terra a quem a Trabalha" por onde andam tão esmerados trabalhadores?
O PCP só conhece uma palavra "Direitos" não ouço "Deveres".
O Alentejo cresce graças há inteligência de alguns Portugueses e Espanhóis. Há alguns requentados e domesticados do PC só para tropa de choque e mentir que lhe estavam a roubar nas pensões de 250 a 400€ qd nada pagam.
Cumps

20 de fevereiro de 2017 às 17:18  
Blogger Carlos said...

Lamento dizer isto mas o que o Sr. escreve a propósito das intervenções dos governos no sistema bancário, colocando no mesmo plano o actual governo e os governos precedentes, não é no plano factual verdade. Insistir na mensagem "são todos iguais" usando generalizações abusivas e sem suporte factual é o tipo de discurso que não estou habituado a escutar da parte de pessoas com a seu nível e reputacao.

26 de fevereiro de 2017 às 21:36  

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