21.9.17

Avelina

Por Joaquim Letria
— Por que raio  escreve você  agora no Minho Digital?!
É com este caloroso cumprimento que alguns conhecidos meus festejaram o início da minha colaboração com o jornal do meu amigo Manso Preto.
Claro que não tenho satisfações a dar-lhes, mas sempre vou dizendo que é por me apetecer, por gosto e porque ninguém tem nada com isso. Mas se tivesse que apresentar justificações mais profundas também o poderia fazer. Mas era o que faltava!
Agora aqui só para nós, que ninguém nos ouve, posso falar-vos  da minha Avelina, uma mulheraça que me encheu de Alto Minho desde a minha nascença. E me moldou para a vida e me divertiu  como nunca mais ninguém o fez, Avelina, minha querida, minha amiga, minha camarada, minha quase mãe.
Quando nasci, a minha mãe, violinista de orquestra sinfónica com 24 anos de idade, morreu com um ataque de eclâmpsia, doença que hoje em dia poucas  parturientes mata, felizmente. Fiquei  a berrar  numa gaveta aberta de lençóis de cama que serviu de meu primeiro berço, no improviso da aflição que foi o início do amor dos meus avós a quem tudo devo. A minha avó nem hesitou:
— Temos de lhe arranjar uma ama de leite!
Foi assim  que a Avelina desembarcou em Lisboa com a minha irmã de leite Esmeralda ao colo, proveniente do Alto Minho, onde amigos da minha família a desencantaram para me dar de mamar. Mamei  nas tetas da Avelina até começar a comer papas e mioleiras e me nascerem os primeiros dentes.  A Avelina ficaria então ao serviço da nossa casa até se tomar de amores por um motorista da Carris com quem embarcou para Angola, tinha eu 14 anos.  
A Avelina era duma aldeia do Alto Minho que não nomeio para não ser indiscreto e tinha engravidado do pároco que ali também tratava das almas. Logo a família e devotas senhoras trataram de pôr a moçoila a andar para não haver escândalo e terá sido assim que ela chegaria a casa da minha família, de mamas cheias e roída de saudades do padre.
Só falo disto agora, e com discrição, pois se a CIA divulga informações sensíveis ao fim de 30 anos, eu penso que posso contar esta história ao cabo de 73, sem magoar ninguém, pois sou o único sobrevivente e decerto que o Senhor a todos já perdoou quando os recebeu no céu, onde me esperam para gozarmos juntos as delícias da vida eterna.

A Avelina encheu-me de arroz de sarrabulho, de rojões, de cozido à minhota , de vinho verde tinto e outros prazeres da vida que perduram até hoje.  À  noite, enquanto me fazia companhia quando eu tinha medo do escuro, contava-me histórias de bruxas, de amores e falava-me do Minho até eu adormecer. Escrever aqui é regressar à infância e voltar a encher-me  de Minho. Mas não dou satisfações a ninguém por me sentir em casa ao escrever aqui. Era o que faltava!
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Publicado no Minho Digital

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3 Comments:

Blogger José Batista said...

Sim, senhor. Em forma. Uma delícia.
Assim é que é.

21 de setembro de 2017 às 18:05  
Blogger 500 said...

O Joaquim levou uma grande galheta na mona, já que, ao que parece, os cristais desapareceram. Em grande forma, talvez ainda efeito do leite das mamas da Avelina.

21 de setembro de 2017 às 21:59  
Blogger Ilha da lua said...

Fantástico!!!

21 de setembro de 2017 às 23:27  

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