2.3.18

Crianças

Por Joaquim Letria
Segundo números oficiosos, em Portugal mais de 40 mil crianças trabalham para comer ou para ajudarem os pais a pôr o pão na mesa.
São números que a situação vigente, preocupada com o défice e com as dívidas atrasadas, não consegue desmentir ou disfarçar e que alguns bispos católicos apontam, tornando-se, sempre que falam, na única voz de desagravo capaz de se fazer ouvir.
Estas crianças todas juntas – para termos uma ideia – encheriam o Estádio José de Alvalade, onde poderiam reunir-se com ministros autoproclamados do socialismo e a sua comprometida oposição, todos fazendo musculação batendo com a mão no peito e vestindo-se de luto aliviado pelas vítimas dos vergonhosos incêndios de 2017.
Notícias que nos chegam de África e de partes do Médio Oriente dão-nos conta de muitos milhares de outras crianças dizimadas pelas doenças ou pela fome, quando não mortas pela tristeza e abandono, muitas delas pelo menos obrigadas a brincarem com armas a sério, forçadas a aprenderem os jogos da morte.
Tudo isto são preços inaceitáveis para se sobreviver, pagamentos em prestações por conta do abate puro por parte de quem é capaz de exterminar crianças que não só não dão lucro mas também dão despesa por terem de ser alimentadas. Noutras áreas miseráveis, as crianças sexualmente abusadas proporcionam lucros confortáveis, com os seus corpos descartáveis, quer prostituindo-se, quer transportando e vendendo drogas por conta de outrem.
Não escrevo à toa: nos últimos 15 anos, no Rio de Janeiro, mais de 9 mil crianças foram friamente assassinadas, mais propriamente executadas. São números oficiais. Além dos desnorteados órfãos de guerra, há ainda os meninos-soldados sem outra escola que não seja a de fazer o mal necessário para viverem mais um dia.
Em Portugal a natalidade cai a pique, enquanto nos países mais pobres as famílias têm proles numerosas, convidando o maior número de pessoas a repartirem a miséria entre si. Ironicamente, a mesma igreja que entre nós denuncia este horror é quem nos púlpitos condena as práticas anticoncepcionais. Mais tarde, os adultos corrigirão a demografia matando crianças ao Deus dará…
Adoro aqueles programas de televisão, a abarrotarem de psicólogos e de senhoras bem-fazejas que nos garantem que dentro de todos nós existe uma criança que não morrerá nunca. Parece-me que essas crianças – a existirem - vão-se tornando cada vez mais indiferentes perante a sorte de outros seres. São frias e duras como os adultos que habitam. Afinal de contas são  iguais aos meninos da guerra  e às crianças da rua.  Uma  lástima!
Publicado no Minho Digital

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2 Comments:

Blogger José Batista said...

Parabéns, Joaquim Letria. E obrigado.

2 de março de 2018 às 23:13  
Blogger Ilha da lua said...

Está crónica é uma verdadeira pedrada no charco!!!O último parágrafo deveria ser tema de reflexão,não só para os politicos,mas para todos os cidadãos em geral

3 de março de 2018 às 13:49  

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