HAWKING E OS MISTÉRIOS DA CIÊNCIA
Por Carlos Fiolhais
O Universo ficou mais pobre com a morte de Stephen Hawking (1942-2018), por se ter apagado um dos cérebros que melhor o pensava. Tanto quanto sabemos, o cérebro humano é, de entre toda a matéria do vasto Universo, a única porção que o consegue compreender. Não é fácil, mas é possível compreender o Universo. E Hawking foi, nos nossos tempos, alguém que se aventurou de forma mais ousada nos grandes mistérios do mundo: o Big Bang e os buracos negros.
Desapareceu também, ao mesmo tempo que o cientista, um excelente comunicador de ciência, talvez o cientista mais conhecido das massas. Há que reconhecer que esse conhecimento deriva não tanto do impacto da sua obra em física, que apesar de arrojada está longe de chegar aos píncaros atingidos antes por outros como Newton e Einstein, mas mais da sua grave deficiência física. O seu cérebro tão criativo vivia dentro de um corpo praticamente falido, um corpo que só se movia numa cadeira de rodas, e nós não podíamos deixar de ficar espantados como é que um pensamento tão ampliado podia vir de dentro de um corpo tão tolhido.
Hawking simboliza bem o triunfo da mente humana. Não tendo ele a produtividade científica de Einstein, o certo é que ficou quase com a mesma aura. As suas imagens na cadeira de rodas tiveram um efeito semelhante que as famosas fotos de Einstein, com bigode e cabeleira desgrenhada. Com a vantagem de Hawking ter vivido num tempo em que a Internet podia ampliar a sua imagem a uma escala planetária. Hawking foi um ídolo dos nossos tempos e esse ídolo dificilmente desaparecerá.
O facto é que precisamos de ídolos. Existem ídolos na arte, no desporto, na política e não há razão para dispensarmos os ídolos na ciência. Não que eles tenham de ser idolatrados (a ciência consiste precisamente não na admiração cega mas sim no exercício do espírito crítico), mas simplesmente porque ajuda a ampliar na sociedade a imagem da ciência. Ao tomarmos contactos com os livros de Hawking (que são muitos mais do que a “Breve História do tempo”) e com os seus filmes, de algum modo ficamos também detentores da ciência.
A ciência não é só dos cientistas, é de todos nós. E Hawking soube, como muito poucos nos tempos mais recentes, entregar-nos a ciência. Ele foi, sem poder falar a não ser pela voz metalizada de um sintetizador electrónico, um grande porta-voz da ciência. As perguntas que ele colocava sobre o início do e o fim do mundo são, ao fim e ao cabo, as perguntas que nós também colocamos. De onde vimos? Para onde vamos? Algumas respostas, naturalmente parciais e provisórias, foram-nos entregues. Acima de tudo foi-nos entregue a sensação de entrar nos mistérios do mundo. Tal como a mente de Hawking se maravilhou com os enigmas do Universo também a nossa, mesmo sem a posse das capacidades do extraordinário astrofísico britânico, o pode fazer.
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