15.4.18

Sem emenda - Ódios do tempo presente

Por António Barreto
Chamam-lhes movimentos tribais. Reflexos ou populismo de tribo. Também há quem diga fanatismo e respectivas hordas ou mesmo fanatismo nacionalista. Os mais específicos falarão de supremacia branca, de racismo e de xenofobia. Eis umas tantas designações correntes para estes fenómenos actuais ou ódios contemporâneos. Estes termos parecem estranhamente empenhados em denunciar comportamentos brancos, de preferência europeus e americanos. Todos eles com inimigos declarados: negros, árabes, indianos e chineses e ainda uns acrescentos de muçulmanos, ciganos, romenos e outros imigrantes.
Acontece que estes comportamentos e estes valores, reais e detestáveis, não são únicos e são exactamente iguais a outros, simétricos e também detestáveis, de negros, árabes e indianos, contra os brancos e mesmo uns contra os outros. E todos se parecem com outros, não menos tribais, não menos fanáticos e também totalmente detestáveis: os das claques desportivas, das ideologias partidárias e dos ódios de classe…
Lamentavelmente, há sempre duas medidas. Se o racismo for dos brancos, dos cristãos e dos europeus, não tem perdão. Se for dos negros, dos muçulmanos e dos africanos, tem desculpas. 
Se a xenofobia for prática corrente de brancos, europeus e cristãos, trata-se de odiosa forma de estar no mundo, de despotismo de exploradores e de intolerável egoísmo. Se for a rotina de negros, índios, Indianos, chineses, árabes e ciganos, são as reacções naturais de defesa e da dignidade. 
Se o tribalismo for de partidos políticos ou de classes sociais, é forma superior de consciência de classes e de empenho cívico. Mas se for de nação ou região, é a deriva fascista e o populismo soberanista opressor.
Verdade é que os ódios do tempo presente têm estas formas de se exprimir. Umas são desculpadas pelas modas, outras não, mas todas igualmente destruidoras da razão. No Parlamento, a ira, a falta de cortesia e a agressividade são semelhantes às que se exprimem no estádio de futebol. Está em vigor o princípio segundo o qual o radicalismo adversário é fonte de orgulho e de razão. Quando é exactamente o contrário. A agressividade e a hostilidade adversária são estéreis, destinadas a regimentar e não a fundamentar. Diz-se que a ruptura entre esquerda e direita salva a democracia e clarifica argumentos. Nada mais enganador. Em todos os momentos difíceis da vida de um país, foi necessário fazer convergir esforços e razões. Na vida política e social da democracia, a ruptura não é saudável. Quando acontece, vencem a revolução, o caos, a ditadura e a corrupção.
São os reflexos condicionados que fazem com que se julgue a corrupção com dois pesos. Se for da direita, da banca, das grandes famílias, das empresas e dos patrões, é excelente ou inexistente para a direita, mas péssima e condenável para a esquerda. Mas, se for da esquerda, dos socialistas, dos comunistas e aparentados, ou não existe ou tem perdão por ser popular, mas péssima e pecaminosa para a direita. Ambas, esquerda e direita, consideram que a única corrupção com direito à existência é a sua própria. Ambas só têm olhos para a corrupção da outra.
Diz-se hoje que a corrupção é de classe e o terrorismo é político. Ora, cada vez mais se percebe que não têm cor nem ideologia, que a esquerda é tão corrupta quanto a direita, que a esquerda recorre tanto ao terrorismo quanto a direita. O terrorismo e a corrupção já não têm ideologia, nem classe, nem política, nem filosofia, nem desculpa! São os ódios do tempo presente. São os inimigos das liberdades e dos direitos dos cidadãos.
Certos estilos de governo e alguns géneros de liderança são também objectos destes dois pesos. Putin, Trump, Fujimori, Chavez, Maduro, Lula, Berlusconi ou Sócrates: bons exemplos do modo como gestos iguais, estilos semelhantes e métodos afins têm uma valoração moral e uma classificação política muito diferentes. Na política, como na guerra. Ou como na banca e nos estádios. O princípio é simples: os meus favoritos podem mentir e roubar; podem enganar e trair; podem matar e destruir: o que lhes peço é que sejam eficientes e destruam os adversários. E que o árbitro não veja.

DN, 15 de Abril de 2018

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2 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Voltaire escreveu que "Um fanático é pior do que um velhaco" - explicando que, ao invés do que sucede com aquele, com este ainda se pode conversar e até discutir...
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O que sucede é que um fanático é tão cego que nem sequer percebe que o é.
Essas pessoas, dantes irritavam-me. Hoje, limito-me a afastar-me delas.

15 de abril de 2018 às 13:00  
Blogger Ilha da lua said...

Identifico-me,completamente,com esta análise do Prof.António Barreto.Gostaria que este texto pudesse chegar a todos.Que fosse lido com atenção,que contribuísse para um amplo debate sobre a radicalização que se sente na sociedade contemporânea e aos poucos vai disvirtuando a democracia

15 de abril de 2018 às 22:18  

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