6.4.18

VIVA A MORTE

Por Joaquim Letria
Desde as festas no Panteão Nacional que a indústria do turismo, de mãos dadas com as indústrias da morte, andam em grandes projectos de expansão. Um sector e outro são áreas onde nunca faltam clientes e se, depois do escândalo das  festas  descobertas em Santa Engrácia, os preços foram actualizados pelo Ministério da Cultura, a verdade é que casamentos e baptizados  nunca faltaram ao mosteiro dos Jerónimos que até  viu alargarem-se  os velórios e saídas de funerais do antigo museu dos Coches, no presidencial Palácio de Belém. Portanto, em Portugal é uma questão de bolsa mas quem quiser pode morrer em beleza.
Deixaremos de ser vítimas das pressas dos agentes funerários que precisam do carro “para levarem outro para Águeda”, de coveiros mal dispostos e com a fralda  de fora a discutirem a numeração dos talhões e o pessoal das secretarias dos cemitérios terão formação na Era ou Remax que estenderão até aqui a inegável simpatia dos agentes do imobiliário. Os cemitérios serão modernizados e criados segundo o exemplo  dos Prazeres, do Alto de São João e do Prado do Repouso, sempre em  locais  muito arejados e com invejável vista para a cidade. Portugal está, assim, à beira de abandonar o subdesenvolvimento das “ três badaladas e um balde de cal”.
Desde que há muitos anos li “The Beloved Ones”, de Evelyn Waugh,  que sonho com Portugal a morrer em beleza, feliz por ir com os pés para a frente, com órgãos iluminados a néon a tocarem sozinhos o Amen da oratória  “O Messias”, de Haendel, serviço de bar nos velórios, atendido por simpáticas hospedeiras.
Teremos segurança, como as discotecas, à porta das capelas mortuárias com corpos presentes para  se não levar uma palmada dos amigos do alheio, que foram os primeiros a descobrir  este nicho de  mercado.  Enquanto  se chora os entes queridos ou se come fatias de pata negra, podemos estar em paz, ao mesmo tempo que os padres  deixarão de murmurar responsos aldrabados e à pressa, por “ainda terem mais dois serviços longe dali” .
Com esta nova política de turismo  e imobiliário, atrevo-me mesmo a pensar ser possível uma salva de pólvora seca por guardas em gratificado das Polícias Municipais. E quem sou eu para antecipar esta ideia, mas poderá mesmo admitir-se a presença sentida dos presidentes de câmara mais bem vistos e empenhados nos favores e simpatias dos  bispos das dioceses. É uma questão de consultarem  a Casa Branca e verem como o presidente Clinton resolveu a questão de subsídios e donativos em troca duma dormida histórica no quarto de Lincoln…quando ainda não era moda rirmo-nos  dos presidentes como se faz com o Trump.   
Uma coisa é certa: mesmo depois de  nos enterrarem assim em beleza, continuaremos a viver pela hora da morte. Mas poderemos ainda almejar os favores  da Comunicação Social, que dará  algumas notícias a par de lindos obituários, rendilhadas  reportagens  fúnebres  e rigorosas  biografias. Riam-se, riam-se, que ainda vos veremos a chorar  por virem nas necrologias da “Caras” ou da “Hola!”…
Publicado no Minho Digital

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