VIVA A MORTE
Por Joaquim
Letria
Desde as
festas no Panteão Nacional que a indústria do turismo, de mãos dadas com as
indústrias da morte, andam em grandes projectos de expansão. Um sector e outro
são áreas onde nunca faltam clientes e se, depois do escândalo das festas
descobertas em Santa Engrácia, os preços foram actualizados pelo
Ministério da Cultura, a verdade é que casamentos e baptizados nunca faltaram ao mosteiro dos Jerónimos que
até viu alargarem-se os velórios e saídas de funerais do antigo
museu dos Coches, no presidencial Palácio de Belém. Portanto, em Portugal é uma
questão de bolsa mas quem quiser pode morrer em beleza.
Deixaremos
de ser vítimas das pressas dos agentes funerários que precisam do carro “para
levarem outro para Águeda”, de coveiros mal dispostos e com a fralda de fora a discutirem a numeração dos talhões e
o pessoal das secretarias dos cemitérios terão formação na Era ou Remax que
estenderão até aqui a inegável simpatia dos agentes do imobiliário. Os
cemitérios serão modernizados e criados segundo o exemplo dos Prazeres, do Alto de São João e do Prado
do Repouso, sempre em locais muito arejados e com invejável vista para a
cidade. Portugal está, assim, à beira de abandonar o subdesenvolvimento das “
três badaladas e um balde de cal”.
Desde que há
muitos anos li “The Beloved Ones”, de Evelyn Waugh, que sonho com Portugal a morrer em beleza,
feliz por ir com os pés para a frente, com órgãos iluminados a néon a tocarem
sozinhos o Amen da oratória “O Messias”,
de Haendel, serviço de bar nos velórios, atendido por simpáticas hospedeiras.
Teremos
segurança, como as discotecas, à porta das capelas mortuárias com corpos
presentes para se não levar uma palmada
dos amigos do alheio, que foram os primeiros a descobrir este nicho de
mercado. Enquanto se chora os entes queridos ou se come fatias
de pata negra, podemos estar em paz, ao mesmo tempo que os padres deixarão de murmurar responsos aldrabados e à
pressa, por “ainda terem mais dois serviços longe dali” .
Com esta
nova política de turismo e imobiliário, atrevo-me
mesmo a pensar ser possível uma salva de pólvora seca por guardas em
gratificado das Polícias Municipais. E quem sou eu para antecipar esta ideia,
mas poderá mesmo admitir-se a presença sentida dos presidentes de câmara mais bem
vistos e empenhados nos favores e simpatias dos
bispos das dioceses. É uma questão de consultarem a Casa Branca e verem como o presidente
Clinton resolveu a questão de subsídios e donativos em troca duma dormida
histórica no quarto de Lincoln…quando ainda não era moda rirmo-nos dos presidentes como se faz com o Trump.
Uma coisa é
certa: mesmo depois de nos enterrarem
assim em beleza, continuaremos a viver pela hora da morte. Mas poderemos ainda
almejar os favores da Comunicação
Social, que dará algumas notícias a par de
lindos obituários, rendilhadas
reportagens fúnebres e rigorosas
biografias. Riam-se, riam-se, que ainda vos veremos a chorar por virem nas necrologias da “Caras” ou da
“Hola!”…
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
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