Sem emenda - Apanhados nas redes
Por António Barreto
Primeiro, a terminologia. Rede
social não é sujeito, é veículo. Sujeito é uma empresa, um Estado, uma agência
de informações ou qualquer outro operador. Engana-se quem pensa que as redes
sociais fazem e acontecem. Nada! Para o melhor e o pior, as empresas, os
Estados e as organizações é que fazem e acontecem…
Depois, o drama. Em poucos dias,
milhões de aderentes do Facebook abandonaram a rede. Mas centenas de milhões
ficaram e até aumentaram o seu uso, a fim de ver o que se passava. Milhares de
accionistas deixaram de o ser, mas muitos milhões continuaram e até houve uns
tantos que compraram acções na expectativa de vir a ganhar qualquer coisa. O
valor da empresa na Bolsa diminuiu dois ou três mil milhões de dólares, mas
ainda se eleva a centenas de milhares de milhões, várias vezes o PIB português.
Sabia-se que empresas das redes
inquiriam, agregavam informação, usavam o GPS, vigiavam pessoas e movimentos,
interpretavam hábitos e costumes, detectavam preferências, construíam “narrativas”
individuais e colectivas e finalmente vendiam. O que se passou foi uma
confirmação, não uma novidade.
Os utilizadores dão voluntariamente
os dados e até gostam de ser seguidos. Uns sentem-se importantes. Outros gostam
de se exibir. Outros ainda querem coscuvilhar e têm gosto em espreitar. Poucos são
os inocentes, os que não sabem que os dados se vendem. Todos sabem que as redes
não são uma dádiva desinteressada dos Estados e dos capitalistas.
Toda a gente sabe que os dados
dos cidadãos, crédulos e incrédulos, são comprados por quem tem dinheiro e
interesses: comerciantes de tudo e fabricantes de qualquer coisa. Os
publicitários e as agências de sondagens descobriram nestas redes fontes
inesgotáveis de informação. Outras profissões e instituições se interessaram
também: políticos, câmaras municipais, polícias, espiões e autoridades fiscais.
Sem falar em máfias, seitas e clubes desportivos. Enfim! Quase toda a gente com
poder. E quem não tem poder, julga adquirir algum por esta via. Por isso, estas
redes têm passado impunes sem que ninguém as incomode!
As redes deixam passar o que lá
se coloca. O histórico da vida de cada um, as deslocações, os movimentos
bancários, a navegação na NET, tudo lá está e pode ser usado. Mas a vontade do
próprio é o factor decisivo. Sem ela, nada a fazer. O indivíduo que se sente
importante dá os seus dados. O que quer saber dos outros dá para a troca. O
coscuvilheiro dá para receber. O curioso e o sôfrego querem estar ao corrente
de tudo e dão o que têm para obter o que pretendem. As empresas que operam as
redes perceberam estes instintos e fazem a colecta. Depois, articulam e fazem
bases de dados. A partir de um certo momento, têm algo que vale milhões e é
muito mais do que a soma das partes.
Mais uma vez: a vontade e as
decisões do utilizador estão na base de tudo. Ora, os próprios gostam do
exibicionismo ou não se importam. Os “likes”, por exemplo, dão a muitos a
sensação de estarem a votar, a dar uma opinião e a contar para alguma coisa. E
estão, na verdade, a dar o nome, a localidade, as preferências, os hábitos, os
segredos, as deslocações, as relações sociais, tudo!
As revelações recentes sobre o
Facebook, a maior de todas as redes, comoveram muita gente. Os concorrentes
lançaram-se ao ataque. Os adversários juntaram-se para denunciar e tirar algum
proveito. Depressa surgiram propostas para corrigir, proibir, censurar, taxar,
forçar o escrutínio, evitar os abusos… Há mesmo quem pense em vigiar tudo, como
os americanos, ou censurar, como os chineses e os norte-coreanos. Uma obsessão:
controlar! Uma hipótese: censurar ou proibir! Uma sugestão: nacionalizar! Um
voto piedoso: regular!
Comum a estas emoções, às
propostas insensatas que se ouvem e aos gemidos de escândalo que nos chegam, um
fio condutor: as culpas são das redes, os cidadãos estão inocentes e foram
enganados! Nada mais errado, como se verá.
DN, 1 de
Abril de 2018
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