31.8.18

Pensamentos de Verão

Por Joaquim Letria
Nós, cristãos, celebramos todos o Natal. Mas, na verdade, e em rigor, não se sabe muito bem em que ano e em que dia Jesus da Nazaré terá nascido. À excepção dos evangelhos não há qualquer outro documento que comprove a existência de Cristo.
Flávio, Plínio e Tácito, bem como outros cronistas romanos, não se referem nos seus escritos aos efeitos da vida do nazareno, ainda que se pronunciem quanto aos efeitos da morte dum certo rabino judeu.
Os agnósticos têm sempre insistido em que a esmagadora maioria dos mitos da antiguidade têm, invariavelmente, um nascimento entroncado na fábula da anunciação: o imperador Chin-Nung, da China, o Deus Quetzalcoatl do México, Vishnu da Índia, os faraós, Zoroastro, os conquistadores mais importantes eram primeiramente anunciados por arcanjos e nasciam, depois, de mãe virgem.
A existência de Jesus tem, portanto, pouca solidez histórica e foi recebida com grande hostilidade pela intelectualidade do seu tempo. Juliano, o Apóstata, considerava os cristãos como os novos bárbaros que proibiam a liberdade de religiões no mundo pagão.
Os helenistas e os filósofos diziam, com enorme virulência, que Jesus comparado a Platão e Aristóteles não passava duma criança débil. Os bispos redigiam as encíclicas num péssimo grego burocrático. Apoiando-se nos pensamentos daquele renovador judeu, acossou-se aqueles que não acreditavam no monoteísmo.
Houve perseguições contra os heterodoxos, os livre – pensadores e os sábios. Toda a filosofia é a preparação para a morte, mas os seguidores de Cristo temiam o vazio, receavam o sexo, eram obcecados com os ossos e viviam fascinados pelas relíquias.
Os estóicos interrogavam-se se antes de nascermos não existíamos, por que razão teremos nós de nos convertermos no que éramos no início. Os cristãos temem o nada.
Tudo o que aqui escrevo é verdade. Mas também é verdade que Galileu venceu e que as ideias resultantes da verdade sempre acabaram por triunfar. Nem papas incestuosos nem bispos pecaminosos conseguiram destruí-las.
Hoje, a religião não escraviza ninguém. Bem pelo contrário. Muitas vezes a Igreja transforma-se num espaço de verdade, em arauto de ideias como se verificou na configuração da História da Europa, mesmo quando esta teve de se defrontar com a sua racionalidade e com a ilustração contra as trevas da Igreja que lhe deram consciência sem lhe travar o progresso. Assim, hoje, a Igreja nos traga esperança, pois não há pior escravo do que aquele que é impedido de exprimir os seus pensamentos.
Publicado no Minho Digital

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1 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

Na "sily season" é tão agradável ler uma crónica como esta!
Penso, que a grande maioria das pessoas, procura encontrar um sentido de vida. Por isso, talvez se interrogue; quem sou, de onde venho, para onde vou?
Como pertenço a um país, de cultura judaico-cristã ,procurei estudar as várias religiões monoteístas. Na verdade, a mensagem do cristianismo impressionou-me, em dois pontos: Amar o próximo como a ti mesmo e a simbologia da Cruz!
Hoje, penso que só o amor ao próximo, pode, gerar a solidariedade. Não a solidariedade fria e dura, da contribuição para qualquer nobre causa,que nos alivia a consciência, mas que não nos faz pensar nas verdadeiras dificuldades do outro. Só o amor ao próximo, permite um maior envolvimento na luta por melhores condições de vida, por igualdade de oportunidades para todos, a aceitação do outro nas suas diferenças, quer religiosas, quer de raça ,quer de orientação sexual e por aí fora…
A simbologia da cruz, que tanto escandaliza o homem contemporâneo, é uma triste realidade da vida, que na maioria das vezes, não está na nossa mão evitá-la. Em algum momento, quase todos a carregamos: uma doença grave, um filho deficiente, a perda de trabalho e,( quantas vezes, como consequência a perda da casa),uma catástrofe imprevista que nos deixa em zeros…
É um facto que em termos históricos, há poucas referências à existência de Jesus Cristo. A ser verdade, afinal, era só o filho de um humilde carpinteiro…,um pregador, que falava do amor e da resistência pacífica á opressão do seu povo. Por isso os judeus não o consideram o Messias. Enternecem-me estes versos de Pessoa.
"...…………….
Grande é a poesia, a bondade e as danças…
mas o melhor do mundo são as crianças
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
Mais que isto
É jesus cristo
que não sabia nada de finanças
nem consta que tivesse biblioteca…"

31 de agosto de 2018 às 18:25  

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