11.11.18

O LIVRINHO MÁGICO

Estava eu, há muitos anos, sem ter notícias do meu amigo Miguel quando, para minha grande surpresa, vim a saber que se tinha transformado num empresário de sucesso no ramo da informática!
E vim a sabê-lo por acaso, ao folhear uma revista da especialidade que lhe dedicava uma entrevista de página inteira (e com chamada de capa!), encimada com um título de arromba: “O empresário do ano”.
Ora, não sendo essa a minha área profissional, preparava-me para uma leitura ligeira do texto quando me apercebi de que ele, para além de falar de ‘bits’ e ‘bytes’, discorrera, e com inteiro à-vontade, sobre inúmeros outros temas, bem mais interessantes do que computadores e afins.
A certa altura, e como não podia deixar de ser, o entrevistador lançou-lhe a pergunta “A que deve o seu sucesso?”, que ele certamente já esperava. Imaginei-o, então, a recostar-se na cadeira que se via nas fotos e, depois de ter sorrido enigmaticamente, a responder, com o seu ar bonacheirão:
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— O meu caro amigo deve estar à espera que eu lhe diga “trabalho, espírito empreendedor, gosto pelo risco”, etc. Seria verdade, claro, mas isso toda a gente lhe diria, mesmo que fosse mentira. Quanto a mim, confesso que houve tudo isso... mas um pouco mais: ao longo de todos estes anos, tenho recebido um auxílio precioso de um ‘hardware’ muito conhecido mas pouco valorizado em Portugal: chama-se  LIVRO DE RECLAMAÇÕES. Sim, é verdade. Ainda ele não era obrigatório, e já eu o disponibilizava em todas as minhas lojas. E pode escrever que é até a coisa mais preciosa que nelas tenho.
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Percebia-se que, com isso, desorientara o interlocutor, porventura habituado a perguntas/respostas “chapa 3”; mas o certo é que este foi suficientemente inteligente para não deixar fugir o tema, o que também agradou ao Miguel, que prosseguiu:
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— Obviamente que nos esforçamos para que os clientes saiam satisfeitos das nossas lojas. Não nos interessa muito o ‘cliente de um dia só’, porque a informática está permanentemente a exigir renovação de ‘hardware’ e ‘software’. Mas é inevitável que haja clientes insatisfeitos, e esses dividem-se em dois grupos: os que voltam e os que não voltam. Parece conversa de La Palice, mas olhe que não é. Pense bem: “um cliente que reclama é um cliente que quer voltar”. Está insatisfeito com isto ou aquilo, quer que lhe dêmos atenção, quer que corrijamos qualquer coisa que correu mal, mas quer VOLTAR. Ao invés, o cliente insatisfeito e que NEM SEQUER RECLAMA é um cliente perdido. Mesmo que pague sem refilar, em seguida vira costas, sai porta-fora... e não volta.
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Curiosamente, tantos anos passados sobre essa entrevista, volto a lembrar-me dessas palavras — esqueci-me de tudo quanto se referia a ‘pixels’ e vírus, mas retive essa parte. E nem podia ser de outra forma porque, quando abordo criticamente a realidade desta cidade, deparo-me quase sempre, com pessoas que, desprovidas de cultura cívica e democrática, comentam, com azedume, que “criticar é dizer mal”. Coitadas!, na sua ignorância, não sabem que criticar é, entre outras coisas, estudar, analisar e comparar, pelo que só se critica aquilo de que se gosta; obviamente, desconhecem o velho provérbio “Quem ama cuida”, e põem-se a jeito para a carapuça de que “Só os medíocres estão sempre satisfeitos”.
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Resta dizer que, há dias, escrevi ao Miguel pedindo-lhe autorização para contar o que atrás se lê. Acedeu de bom grado, e terminou oferecendo-me um outro provérbio (“é para a troca”): «Se corrigires um sábio, ele ficará mais sábio. Se corrigires um idiota, ele ficará teu inimigo».

A quem o diz, amigo Miguel!

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2 Comments:

Blogger José Batista said...

Muito certo, mas só funciona em alguns países e, nos outros, com certas pessoas.
Há coisa de um mês escrevi umas linhas num livro de reclamações (foi num concessionário de carros onde, numa revisão, alguém mais inexperiente, lavando o carro, coisa que não fora pedida, usou provavelmente algum produto corrosivo e estragou notoriamente as borrachas à volta dos vidros das portas, sem que ninguém se desse por achado...) e até agora, nada.

11 de novembro de 2018 às 22:36  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Este texto, escrito para o CORREIO DE LAGOS de Outubro, reflecte o que se passa na cidade:
Quando os cidadãos que mais amam a terra reclamam porque há coisas que estão mal (ou podem ser melhoradas), incorrem de imediato no ódio do poder e dos seus amigos, e só muito raramenteos autarcas levantam o rabo da cadeira para tratar dos assuntos.
Há situações gravíssimas (de perigo de morte, inclusive) que já me obrigaram a queixar à ASAE e ao Ministério do Ambiente.
De nada adiantou, pois ambos me responderam que os assuntos eram com a autarquia...

15 de novembro de 2018 às 09:40  

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