UMA REFLEXÃO ANTIGA
Por A. M. Galopim de Carvalho
A tragédia na pedreira de Borba, que muitos anteviram, mas que ninguém acautelou, não deve nem pode ser usada como arma no debate político. Fazê-lo não é sério. Não é sério nem aceitável porque a verdadeira culpa só pode ser imputável a todos os que, ao longo do tempo, tiveram ali e no governo central responsabilidades como decisores.
Podemos ainda dizer convictamente que parte dessa culpa e de muitas outras está no nosso grande e triste atraso civilizacional, todos os dias demonstrado, onde o compadrio, a corrupção, a iliteracia generalizada da população, o baixíssimo nível do sistema educativo, a impreparação da maioria dos políticos e a inoperância do sistema judicial são a regra.
Como escreveu ontem Pacheco Pereira, no Público, “Está toda a gente indignada com o “falhanço do Estado” no caso da estrada que ruiu matando pelo menos cinco pessoas. E devem estar não tanto pelo “falhanço do Estado”, porque, para além de ser um falhanço, o falhanço é a regra. A excepção é as coisas funcionarem bem — ou seja, dito à bruta e sem rodriguinhos, Portugal é um dos países mais atrasados da Europa”.
Na realidade, somos um povo que, “com excepção dos seus imediatos interesses, não quer saber muito disto é até colabora participando na pequena corrupção, na fuga aos impostos, nos pequenos truques quotidianos com o ambiente, a qualidade dos alimentos, as obras na casa, etc., etc. Só se preocupa com a pátria pelo futebol e de resto manifesta uma indiferença cívica total. (Pacheco Pereira).
Em repetição do que já aqui escrevi, a propósito da crise dos professores, a nossa classe política, no seu todo, a quem os Militares de Abril, há 44 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar aos cidadãos cultura civilizacional. Entre os sectores da vida nacional que nada beneficiaram com esta abertura à democracia está a educação e a justiça.
Mais de quatro décadas, de liberdade em democracia, completamente desperdiçadas.
Este triste acontecimento leva-me a trazer ao presente uma reflexão que conheci estar na mente de um dos meus antecessores e mestres, o professor Carlos Romariz Monteiro, reflexão que subscrevo e que tem a ver com a absoluta necessidade de incluir um geólogo ao serviço das Câmaras Municipais.
Se, por lei, os nossos municípios fossem obrigados a ter, pelo menos, um geólogo nos seus quadros de pessoal, arranjava-se emprego a mais de trezentos profissionais. Profissionais que procuram no estrangeiro um lugar onde possam desenvolver uma actividade científica e/ou económica de grande qualidade, pois, de grande qualidade é a sua preparação.
Acontece, porém, que a cultura geológica da imensa maioria dos nossos políticos, dos Presidentes da República aos das Juntas de Freguesia mais esquecidas, passando por Primeiros Ministros, Ministros, Deputados e Presidentes de Câmaras, é praticamente nula, ou seja, permita-se-me o exagero, zero!
Restringindo-me agora especificamente, à generalidade dos nossos autarcas municipais, quase todos homens e mulheres acomodados aos aparelhos partidários, sabemos que não dispensam, e bem, o trabalho de juristas e economistas. Muitos têm, e bem, arquitectos e arquitectos paisagistas, ao serviço da autarquia, pois são eles que sabem de urbanismo e dos sempre necessários jardins e outros espaços verdes. Vão conhecendo, e bem, o valor da Arqueologia, porque os respectivos profissionais souberam afirmar-se como detentores de um importante saber que rende. Mas desconhecem, e mal, a importância da geologia, mostrando uma desoladora insensibilidade para os problemas ligados a esta disciplina científica.
Planos Municipais de Ordenamento do Território, em toda a diversidade dos conhecimentos que exigem, sismicidade e risco sísmico local e regional, vulcanismo e suas manifestações secundárias (nos Açores), construção civil, sempre problemática em vertentes instáveis e em leitos de cheia, rodovias municipais, pontes e pequenas barragens, captação de águas subterrâneas, aterros sanitários e lixeiras, pedreiras, minas, escombreiras associadas e contaminação de solos e de aquíferos são alguns dos problemas que só a geologia sabe resolver com competência fiável.
Como remate desta reflexão, repito o que, há décadas, ando a dizer: «o nosso sistema educativo nunca deu e continua a não dar a devida importância ao ensino da Geologia». Rapazes e raparigas marcados pela consequente impreparação, são hoje homens e mulheres desconhecedores das suas reais importância e beleza.
Lisboa, 25 de Novembro de 2018
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Bem prega São Tomás...
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