SNS e ideologia
Por C. Barroco Esperança
Quem entrou na função pública sem a mínima assistência médica ou medicamentosa, o que sucedeu ainda na maior parte da década de sessenta do século passado, exceto para a tuberculose, com um desconto obrigatório, sentiu que o Serviço Nacional de Saúde (SNS), preconizado pelo MFA, e institucionalizado na Lei nº 56/79, universal e gratuito, era a continuação da Revolução de Abril, que conduziu Portugal aos melhores índices de saúde dos países civilizados, deixando os mais vergonhosos lugares na mortalidade infantil e materno-fetal terceiro-mundistas a que se resignara.
Foi, aliás, na educação, com apenas quatro anos de escolaridade obrigatória, e na saúde, que as maiores conquistas foram alcançadas.
Foi difícil instituir o SNS, onde tubarões da medicina, alguns do PS, tudo fizeram para o impedir. Opuseram-se os deputados do PSD e do CDS, incluindo Marcelo Nuno Rebelo de Sousa, homónimo do atual PR, o que não invalida o papel decisivo do secretário de Estado da Saúde, Albino Aroso, que defendeu a saúde materna e reprodutiva da mulher, com forte animosidade dentro do seu partido (PSD).
A Lei de Bases de 1990, com Cavaco Silva, travou a gratuitidade do SNS estabelecendo o carácter “tendencialmente gratuito”, com introdução de taxas moderadoras, e o tempo encarregou-se de a desatualizar, pelo que a sua atualização se impõe.
Nunca tantos deveram tanto a uma lei, a que o nome do ministro, António Arnaut, ficou justamente ligado.
Há, no entanto, algumas perplexidades que rodeiam a nova Lei de Bases da Saúde que a ministra Marta Temido, com notável currículo académico e sólidos conhecimentos do setor, apresentou.
- Surpreende que a presidente da Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde, Maria de Belém Roseira, depois de ter apresentado o seu estudo pretenda pressionar a ministra a executar as suas propostas como se a Comissão se mantivesse depois de as apresentar, não tivesse meros efeitos consultivos e devesse ser totalmente aceite por uma ministra que nunca esteve ligada ao setor privado da saúde e é insuspeita de defender interesses de grupos privados.
- Surpreende o PR, sem funções executivas, a exercer uma pressão indevida ao querer que a lei, ao contrário da do consulado de Cavaco Silva, tenha o apoio dos dois partidos mais representativos do espetro político (só falta referir-se ao PSD).
Já é tão difícil contornar os interesses parasitários e ideológicos que querem transformar o SNS num mero pagador da medicina privada e da de IPSSs, que se dispensava o ruído do PR e da ex-candidata presidencial que ornamentou a última corrida a Belém.
A saúde de todos é incompatível com muitos interesses e, sobretudo, com uma ideologia neoliberal.
Ponte Europa / SorumbáticoEtiquetas: CBE
3 Comments:
O SNS nunca funcionou bem. Quem precisa está tramado, sofre na pele.Começa logo pela burocracia.Se não tivesse recorrido ao privado para uma operação, ainda hoje esperava sentado.
Cumps
Concordo, caro CBE.
Maria de Belém decepciona-me.
O SNS com as suas deficiências operou milagres na saúde e na longevidade dos portugueses. O que não poderia ter sido feito se não houvesse tantos interesses parasitários.
Obrigado.
Um Bom Ano para si.
Caro José Batista:
Agradeço e retribuo os votos de bom ano.
Permita-me que, no espaço deste comentário, que lhe é dirigido, englobe todos os leitores do Sorumbático, independentemente da sua posição relativamente ao que aqui escrevo às quintas-feiras.
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