20.12.18

Feridas da guerra colonial

Por C. Barroco Esperança
A guerra que o desvario de um ditador fascista e os interesses da CUF e outras empresas alimentaram durante 13 anos deixaram feridas cujas cicatrizes se mantêm nos povos que lutaram pela autodeterminação, nos militares obrigados a combater numa guerra injusta e inútil e nos portugueses que, depois da longa guerra, foram obrigados a deixar os seus haveres numa debandada inevitável nas grandes convulsões.
É preciso não ter sentimentos para ignorar os dramas do regresso de muitos portugueses e a vinda de alguns que nunca tinham vindo a Portugal. Foi a catástrofe comum a todos os países colonialistas, o destino fatídico de um milhão de portugueses, depois da morte de 7481 jovens, 1852 amputados, 220 paraplégicos e mais de 50 mil sobreviventes que transportam ainda os traumas e a memória dolorosa da guerra sem sentido.
Há, no entanto, numerosas tragédias dentro da tragédia que foi a guerra colonial, em três frentes, mulheres e namoradas que abandonaram os involuntários emigrantes armados, filhos que esqueciam o pai, pais que envelheceram à espera do regresso, algumas vezes substituído por um telegrama a anunciar a morte “ao serviço da Pátria”, na pátria alheia, e o drama irreparável de quem viu morrer alguém com a bala que disparou.
É difícil fazer a catarse de todos os dramas e compreende-se a necessidade de falsificar a História para aliviar a consciência, para esquecer os que morreram do outro lado e, sobretudo, dos que, aliciados ou coagidos, lutaram ao lado do exército de ocupação e lá ficaram provisoriamente vivos.
É tempo de contar a verdade, porque “só a verdade liberta”, e dizer às gerações que não sofreram o exílio forçado para uma guerra que devia ter sido evitada, com proveito para todos, o que verdadeiramente aconteceu.
É tempo de Portugal revelar os países que forneceram armas à ditadura, as armas proibidas foram usadas, os produtos lançados dos aviões e helicópteros e os massacres cometidos contra populações indefesas.
Bastavam os massacres de Batepá, em S. Tomé, e o de Wiriyamu, em Moçambique, este instigado pela Pide, para cobrir de opróbrio um regime cujo branqueamento está em curso.
Em 16 de dezembro de 1972 pelo menos 385 pessoas foram mortas pela 6ª Companhia de Comandos da ditadura salazarista, sem contar os dos três dias seguintes na "limpeza" do local, ou nos interrogatórios posteriores, na Pide.
Foi há 46 anos. É tempo de contar a verdade.
Ponte Europa / Sorumbático

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5 Comments:

Blogger José Batista said...

Devia haver o direito à verdade, claro.
Mas quem a vai contar?
E, contando-a, quantos acreditariam que essa era a verdade? E quantos a refutariam?
Por mim, já nem sei se, em História, há verdade.
E não é por falta de vontade de que houvesse.
Um familiar meu, que participou na guerra colonial, e a quem nunca ouvi falar dela, embora tivesse «garantido» à minha mãe que eu já não iria para a guerra colonial em África, dizia, na sua simplicidade descrente, que a História tinha o nome com ela e cada qual podia contar a sua.
Ele morreu sem que a realidade o contrariasse e eu admito que a sua razão seja geral e definitiva.

21 de dezembro de 2018 às 17:52  
Blogger Carlos Esperança said...

José Batista:

Duas pessoas veem coisas diferentes no mesmo acidente e nenhum é mentiroso. Eu acredito que quem pensa o contrário de mim pode ter tanta razão quanto eu, mas a História baseia-se em factos e documentos, mais do que em testemunhos, e para além da dolorosa experiência pessoal, conheço factos em que baseio as minhas convicções em relação à guerra colonial. Aproveito para lhe agradecer o seu comentário e desejar-lhe Boas-Festas.

22 de dezembro de 2018 às 00:21  
Blogger Fernando Ribeiro said...

Houve duas 6.as Companhias de Comandos: a 6.ª Companhia de Comandos tout court, que atuou em Angola, e a 6.ª Companhia de Comandos de Moçambique. Durante os primeiros anos da guerra colonial, os comandos que atuaram em Moçambique eram formados em Angola e a numeração das suas companhias seguia a numeração geral de todas as companhias de comandos, incluindo as que iam para a Guiné e eram formadas em Lamego. A partir de dada altura, os comandos que atuaram em Moçambique passaram a ser formados na própria colónia (parece que em Montepuez) e a sua numeração começou a ser feita outra vez a partir do princípio, não sei porquê. Os massacres de Wiriyamu, Chawola, etc. devem por isso ser atribuídos à 6.ª Companhia de Comandos de Moçambique e não à 6.ª Companhia de Comandos.

25 de dezembro de 2018 às 18:14  
Blogger Carlos Esperança said...

Fernando Ribeiro:

Obrigado pelo esclarecimento pois fazia-me confusão a numeração das companhias de Comandos. Conheci bem a 6.ª Companhia de Comandos de Vila Cabral, comandada pelo cap. Jaime Neves. A 4-ª era do cap. Valente que morreu numa emboscada em que acionou uma mina.
Eu estive no Niassa desde princípio de novenbro de 1967 até fim de nov./69

26 de dezembro de 2018 às 17:16  
Blogger Ilha da lua said...

Toda e qualquer guerra é um perfeito massacre...Basta ver o que continua a acontecer no tempo presente.A guerra colonial não foi uma excepção à regra.E,nessa mesma guerra houve massacres de parte a parte.Penso,que curar as feridas de uma guerra não é fácil!E,cada um a vê com os seus próprios olhos Nela se manifesta a miséria e a grandiosidade dos homens Sou pacifista...mas,pelo que me é possível observar,começo a acreditar que é uma característica inerente ao homem Quantas guerras decorrem neste momento no mundo?Quantos massacres sobre populações indefesas? De qualquer forma gostei de ler o artigo do CBE Cumprimentos e votos de um Bom Ano

28 de dezembro de 2018 às 13:33  

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