As Desigualdades Sociais e a Saúde
Por Filomena Mónica
Por mera coincidência, andava eu a ler a obra de R. Wilkinson e K. Pickett, The Spirit Level: Why Equality is Better for Everyone, quando me dei conta de que ex-Presidente do BCP, Jardim Gonçalves, recebe, desde 2005, uma pensão de reforma de 167.000 € por mês (285 salários mínimos). Há muito que este banqueiro anda envolto em controvérsia, tendo chegado a ser acusado pelo Banco de Portugal de infracções com dolo, ficando inibido do exercício de cargos em instituições de crédito. Sucederam-se peripécias jurídicas para mim incompreensíveis envolvendo reivindicações variadas (carros, motoristas e seguranças) no valor de 2.124 milhões de Euros.
Tratando-se de um banco privado, o dinheiro destinado à sua reforma não sairá, julgo, do meu bolso, mas o que está em causa não é tanto a legalidade desta pensão, mas a sua moralidade. Aliás, o argumento de que os banqueiros têm de ser altamente remunerados devido à sua competência não colhe: nenhum deles, note-se, foi capaz de prever a crise de 2009 e apenas um, Horta Osório, foi contratado por um banco sedeado em Londres. Espanta-me ainda que uma figura conotada com a Opus Dei, como é o seu caso, acabe a sua carreira desta forma. Será que algum vez leu o que o Evangelho diz sobre a ganância?
Há muito que me dei conta de ser Portugal um dos países mais desiguais da Europa. Do que não estava ciente – embora isso me pareça agora óbvio – era da forma como isso afectava a saúde das pessoas. O livro acima citado, escrito por dois epidemiologistas, demonstra a maneira como as desigualdades sociais não só minam a coesão social mas têm efeitos deletérios sobre outros aspectos- O quadro 13.1 relaciona as doenças e as desigualdades sociais. Aí se vê a posição, negativa, de Portugal e a positiva dos países escandinavos e do Japão. Veja-se ainda o quadro 13.2, onde aparecem as estatísticas dos diabetes, da hipertensão, do cancro, das doenças pulmonares e do coração em Inglaterra e nos EUA: é neste país, um dos mais ricos do mundo, que a origem de classe conduz a uma maior morbilidade. No final, estes autores concluíram que existe uma correlação elevada entre a saúde e a desigualdade social. Percebo agora a irritação de uma amiga diante da falta de comparência, na última 4º Feira, da sua empregada doméstica. «Esta gente», disse-me, «passa a vida nos hospitais».
A ideia de que não podemos ter, ao mesmo tempo, igualdade e liberdade ganhou força durante a Guerra Fria. A União Soviética parecia ter demonstrado que uma maior igualdade só podia ser obtida à custa de uma menor liberdade. Acontece que, como o evidenciam as democracias escandinavas, isto não é verdade. A desigualdade social portuguesa mantém-se porque não há partidos responsáveis. Mas esta conversa levar-nos-ia para o tema da necessidade de uma alteração na lei eleitoral, um assunto que aqui não cabe.
“Expresso” de 19 Jan 19
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3 Comments:
Ilustre Senhora,há uns bons anos critiquei alguém rico há frente do meu Pai, este com 90 anos e ainda trabalhava numa fazenda, respondeu-me; quem te impede de ser rico? Serviu-me de lição até hoje.
Quantos mais bilionários houver melhor o nível de vida.
Com um pouco de sorte o nosso 1º KOSTA iguala-nos à Venezuela.
Uma jornalista dizia há dias; O SEM TINO vai ser o nosso coveiro. Dá para pensar!
Bem haja.Cumps
Cristalino, Professora Maria Filomena.
Parabéns.
Fico à espera do artigo sobre a necessidade de alteração da lei eleitoral, porquanto há muito sinto o (meu) voto desperdiçado.
Obrigado.
Apesar,dos pesares,continuo a acreditar,que só em liberdade se consegue esbater a desigualdade,através da igualdade de oportunidades.
No entanto,começa a ser preocupante verificar a dificuldade como a nossa democracia,não tem tido sucesso em reduzir essa desigualdade.E,como diz a Prof. Maria Filomena Mónica isso deve-se a irresponsabilidade dos partidos políticos.Também penso que há necessidade de uma alteração na lei eleitoral
Sendo uma fiel leitora,quer dos seus livros,quer das suas crónicas,também aguardo, como O JB, um artigo sobre este assunto.
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