1.2.19

Cadeias por Booking ou Trivago

Por Joaquim Letria
Devo ser só eu que estranho, mas deixa-me a meditar a visão dos presos ilustres, de mala na mão e família às costas, a baterem à porta dos estabelecimentos prisionais, despedindo-se da mulher e filhos em cenas lancinantes muito a propósito da bateria de jornalistas, fotógrafos e “cameramen” que ali se amontoam, depois de convenientemente avisados, a fim do candidato a recluso manifestar a sua inocência. Ele entrega-se mas a contra gosto, por ser cumpridor da lei, sujeitando-se àquilo que considera ser uma injustiça. É isto que as televisões mostram e o advogado que o acompanha proclama.
Maior surpresa para mim é ainda quando os presos ilustres vão a uma cadeia da sua preferência e os mandam embora por não haver lugar. Nestes casos, o pobre do recluso enjeitado fica a fazer contas à vida e aos quilómetros que a família vai gastar para o visitar. Mas não se precipita sem antes, naturalmente, se informar devidamente acerca da qualidade da cela e do “catering”, rotinas diárias e frequência dos seus futuros companheiros. Mas lá partem eles de Évora, que parece ser uma prisão de cinco estrelas e bem frequentada, para tentar a cadeia de Castelo Branco só por esta dar muito jeito de proximidade aos familiares que os irão visitar.
Na minha juventude nenhum preso podia dar-se ao luxo de decidir para que prisão iria, a começar por aqueles que eram apanhados a conspirarem contra a ditadura. Nenhum tinha escolha. Em prisão preventiva batiam com os costados nos curros do Aljube, ou iam para o reduto Norte de Caxias, de grande segurança e isolamento. Também isto era ditado por um critério de proximidade mas menos amistoso – os interrogatórios da PIDE na António Maria Cardoso, ao Chiado.
Uma vez condenados eram transferidos para cumprirem pena em Peniche, continuarem em Caxias mas no reduto Sul, com uma média de cinco presos por cela, ou irem até ao Tarrafal, em Cabo Verde, apanhar sol na “frigideira”. Isto eram os presos políticos, porque os de delitos comuns eram guardados em Alcoentre, Pinheiro da Cruz, Coimbra ou Custóias, Penitenciária de Lisboa  ou Cadeia de Monsanto. As mulheres eram enviadas para as Mónicas ou Tires.
Como se imagina nem uns nem outros tinham o direito de escolher onde iam cumprir pena, sendo estas previstas e marcadas, e depois acompanhadas, pelo Tribunal de Execução de Penas, o qual, pelo acima exposto, não sei se ainda existe ou a existir, para que serve.
Enfim, com esta liberalização das penas de prisão destinadas a presos ilustres, ainda vamos ver os condenados a telefonarem para o Booking ou para o Trivago para arranjarem uma suite na cadeia mais conveniente. Não é que eu defenda o regime das galés ou o desterro à Papillon, mas num País como o nosso, onde as prisões estão sobrelotadas e que quase tem mais penas suspensas e domiciliárias do que de cadeia efectiva, comparo a realidade actual com os tempos em que eu escrevia sobre julgamentos que acabavam quase sempre a enviar os réus para a enxovia, fosse ela qual fosse.
Publicado no Minho Digital

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4 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

Tem toda a razão! Tarde e a más horas,começo a acreditar,que a igualdade perante a lei é uma utopia

1 de fevereiro de 2019 às 18:29  
Blogger José Batista said...

Pois, há presos de várias categorias, não em função dos crimes cometidos, mas do poder e da influência para atenuar ou diferir ou impedir as condenações ou para tornar confortável ou evitar o cumprimento das penas.
Por isso, me parece que Portugal é um «estado de torto».

1 de fevereiro de 2019 às 22:48  
Blogger Ilha da lua said...

JB Muito bem pensado “estado de torto” !É isso mesmo que parece

2 de fevereiro de 2019 às 20:59  
Blogger Unknown said...

Faltou dizer que, finalmente estamos vendo os crimiosos famosos na prisão.Mesmo que seja de primeira classe é um grande progresso!

11 de fevereiro de 2019 às 16:24  

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